Certo dia, vi num ônibus uma moça em cuja blusa estava escrita uma frase mais ou menos assim: “eu, uma negra bonita dessa, e você vem me chamar de morena?” E não, ela não se destacava pela beleza que, aliás, era bem comum para os padrões do Brasil. A única coisa que me chamou a atenção naquilo foi a ignorância da moça, como se “moreno” fosse um eufemismo para evitar um xingamento: “negro”. Já vi duas possíveis origens para a palavra “moreno”: a primeira é que a palavra é uma corruptela de “mouro”, designação dada ao trigo maduro, que fica escuro, do mesmo modo como eram chamados os habitantes da Etiópia, os núbios, sarracenos, enfim, os africanos, de maneira geral, eram “mouros”. A segunda explicação é que “moreno” é uma corruptela de “mora”, que designa a fruta amora. De qualquer forma, “moreno” sempre representou e vai representar “negro”, diferentemente de “mulato”, usado como pejorativo para os filhos de brancos com escravos negros, que significa “da cor de mula”.
Do que os negros deveriam se orgulhar? Você poderia, logo de cara, citar toda uma “raça” de escravizados com mão-de-obra amplamente usada no Brasil por mais de dois séculos. Sim, isto é verdade, negros foram usados como mão-de-obra escrava e muito se fala em “dívida histórica” por causa dessa injustiça.
Analisando um pouco mais a história, por que é creditado apenas aos brancos o jugo da escravidão negra? A população de Portugal no ano 1500 era de cerca de 1 milhão de habitantes. Mesmo se todos eles fossem enviados à África a bordo de navios em viagens caríssimas e penosas com a missão de escravizar toda alma viva naquele continente, não seriam capazes de subjugar todos os guerreiros de todas as nações e escravizar os 4 milhões de africanos que estima-se terem sido traficados entre os séculos XV e XIX. Nem se a Europa inteira se levantasse em campanha militar pela venda de negros isso seria possível. Na verdade, seria mais fácil ver os europeus aniquilados. Ainda que estes pudessem ter maior força de combate, os africanos conheciam o terreno, o campo de batalha e tinham superioridade numérica, portanto, só foi possível escravizar 4 milhões de pessoas porque os negros escravizavam os próprios negros. Eles só encontraram quem quisesse comprar. Veio a calhar que um novo continente foi descoberto, falta mão-de-obra para explorá-lo e como faltava gente na Europa, lançou-se mão de comprar escravos.
Quando se fala de “escravidão negra”, não se atenta que foram negros que escravizavam outros negros. Até mesmo o maior símbolo de resistência negra no Brasil – Zumbi dos Palmares – teve escravos. Ele não rejeitou a escravidão, só não aceitou ser um escravo. Quando se fala em “escravidão negra”, ignora-se, por exemplo, que os mouros escravizaram os portugueses por 741 anos, entre 711 e 1452. Mesmo após a sua expulsão do território lusitano, os negros continuaram a escravizar brancos, a ponto de serem subjugados aproximadamente 1 milhão de europeus entre os séculos XVI e XVII. A escravidão tinha o intuito de gerar mão-de-obra e não necessariamente subjugar alguém de cor de pele distinta.
A própria palavra “escravo”, na realidade, vem do latim sclavus, corruptela de slavus, que significa eslavo. Não sabe o que é um eslavo? São brancos de olhos azuis que foram escravizados aos montes e, principalmente mulheres e meninas de olhos azuis conferiam lucros exorbitantes aos traficantes. Havia escravidão na Islândia, Suíça, Finlândia, Ucrânia, Polônia e Rússia. Asiáticos se escravizavam. E, surpresa, foram encontrados documentos recentemente que demonstram que escravos japoneses foram vendidos para traficantes mexicanos no século XVI. Na América pré-colombiana, índios escravizavam entre si (recomendo que assistam ao filme “Apocalypto”, de Mel Gibson). Por que só se fala em “escravidão negra”? Por que só os negros são especiais? Contra quem é a “injustiça histórica”?
Seria pelo fato de a escravidão negra ser relativamente recente? Nazistas fizeram judeus trabalhar em campos de trabalhos forçados. Muito depois da “escravidão negra” americana. Soviéticos escravizaram seu próprio povo durante o tão “amado” regime comunista. Por que só a “escravidão negra” americana merece comoção? Por que é a mais recente que ocorreu em nosso quintal? Surpresa: alemães, italianos, japoneses e imigrantes, em maneira geral, vieram trabalhar no Brasil no século XX em trabalho análogo à escravidão. Onde está o movimento amarelo? O dia da consciência branca? As cotas para alemães?
Eu sou quem sou. Minha cor de pele não define nada, nem para o bem nem para o mal. Não diz que sou capaz nem incapaz de nada. Aliás, não gosto do conceito de “raça”. Me lembra nazistas, me lembra Ku Klux Klan. Se a quantidade de melanina em minha pele me faz ter direitos a mais em comparação aos brancos (como cotas, por exemplo), isto só me lembra o que disse Rick Santorum: “se você considera que o estado te deu certos direitos, então o estado tem poder para tomar de você esses direitos”. Hoje o estado dá cotas. Mas quem garante que no futuro esse mesmo estado não ache que os negros têm direitos demais e resolva, em nome de uma injustiça histórica com os brancos, cassar direitos – incluindo os fundamentais, como vida, liberdade e propriedade – dos negros? Nada que o próprio estado já não tenha feito na história.
Não tenho orgulho algum por ser negro. Nem vergonha. Aliás, não tenho sentimento nenhum sobre isso. Meus sentimentos resumem-se a mim enquanto pessoa. O que sou ou não, o que faço ou não, o que tenho ou deixo de ter são consequências das minhas escolhas individuais. O que tenho de orgulho ou vergonha resume-se à minha pessoa. Se eu sou negro ou branco, isto é apenas um fato.