Em 1383, em meio a peste bubônica e ao fechamento da rota da Flandres (fazendo de Portugal passagem obrigatória para o Mar Mediterrâneo e do Norte), morre o último rei da Dinastia de Borgonha, D. Fernando I, que não deixara herdeiros. A vacância do trono lançou o reino numa seríssima crise sucessória, a qual tinha dois grupos principais que lutavam pelo trono: o de Dona Leonor Teles, viúva de D. Fernando, a qual desejava a junção de Portugal ao Reino de Castela (Espanha), e o de D. João, irmão do falecido, que tinha o apoio da burguesia nacional, da nobreza e da plebe.
Como se percebe, leitor, a Revolução de Avis – a luta entre esses dois grupos – resultou vitoriosa para o segundo grupo: não fosse assim, hoje estaríamos falando castelhano ou algum outro dialeto hispânico e muito provavelmente o Brasil seria mais uma das repúblicas caudilhescas, fracionadas e com história sanguinária à semelhança dos nossos vizinhos.
Conseguintemente, a instauração da Dinastia de Avis, comandada por D. João I, foi a centelha que impulsionou o lançamento de Portugal aos mares e a posterior colonização desta terra brasileira. Mas, será que foi efetivamente o estado português o grande responsável pelo estabelecimento de uma colônia?
Já em 1530, no momento em que os primeiros negros foram trazidos para trabalhar no nordeste, Portugal criava o sistema de capitanias hereditárias, no qual o território era dividido pelo estado entre diversos particulares, permitindo a factual instauração de uma civilização no litoral. Entretanto, enquanto a iniciativa privada (a burguesia portuguesa e holandesa, principalmente) trazia os primeiros pés de cana-de-açúcar, financiava o plantio, a produção e o transporte do açúcar para a Europa, a Coroa Portuguesa permanecia como proprietária soberana sobre as terras – nada fazia, nada financiava, em nada era onerada; simplesmente, tinha o poder de justiça sobre os colonos e cobrava impostos, por incrível que pareça, mais leves do que os que pagamos hoje em dia – e, ainda por cima, realizava brilhante ingerência no território, mandando e desmandando, a bel prazer, nas situações econômica e política da empresa colonizadora.
Não é de se espantar que apenas as capitanias de São Vicente e Pernambuco tenham conseguido obter algum êxito econômico. Se, de um lado, a Coroa Portuguesa concedia as terras, do outro, ela cobrava impostos, intrometia-se politicamente e economicamente nas capitanias e, ainda, prendia quem julgava descumprir as regras. Os donatários, por sua vez, tinham de lidar com o ambiente selvagem e desconhecido do território brasileiro, com invasões estrangeiras e constantes ataques indígenas e, para coroar, pagar tributos. No entanto, as capitanias foram extintas apenas em 1759, com o Marquês de Pombal – prova de que a iniciativa voluntária, mesmo através de concessão, é capaz de contornar a maior parte das adversidades, desde que haja demanda.
“Quando eu era jovem, achava que o dinheiro era a coisa mais importante do mundo. hoje, tenho certeza.” (oscar wilde)
Durante o ciclo do ouro, não foi diferente: com o Brasil melhor articulado nos transportes, mais urbanizado e com comércio interno mais intenso, dependendo muito menos da metrópole, as cortes portuguesas, que torravam todo dinheiro conseguido com o metal precioso na Europa em itens supérfluos vindos da França e da Inglaterra, ainda decretavam medidas autoritárias como a derrama e impostos abusivos como a capitação e o quinto (que, ainda sim, eram mais leves do que a carga tributária de hoje). Tiradentes, por exemplo, foi apenas um dos que morreram pela insatisfação com a coroa – isso porque o controle estatal era muito inferior ao que existe hoje na nossa “democracia”.
Note-se que toda empresa colonial brasileira foi lograda por interesses privados: o estado português tinha mera função controladora, dando a nós a herança cultural e da língua. Então, toda vez que alguém estiver exaltando o estado como necessário, conte a essa pessoa a trajetória colonial brasileira e prove que, sem a iniciativa privada, este país simplesmente não existiria.