“A partir de hoje não sou mais advogado. Se precisarem de algum, não me procurem. Aliás, não procurem nenhum, principalmente se vocês forem acusados de assassinato, afinal a lei já vai te garantir liberdade e mais um monte de benefícios.”
Aos 32 anos, Rafael Guimarães desistiu da profissão logo em seu primeiro caso. Desde o início do ano, Rafael atuava como assistente de acusação, ao lado do Ministério Público, para tentar condenar Guilherme Antônio Nunes Zanoni, preso em flagrante por esfaquear seu pai, Oscar Vieira Guimarães Neto. A revolta do advogado tem motivo: segunda-feira, perto de casa e do Fórum Central de Porto Alegre, Rafael cruzou na rua com o assassino confesso de seu pai, liberado do Presídio Central por um habeas corpus:
“Há 8 meses perdi meu pai da forma mais brutal que alguém pode imaginar. Precisei de muita força pra suportar a situação e de mais força ainda pra atuar, juntamente com o Ministério Público, no processo, como assistente de acusação. Foram diversas audiências cara a cara com o assassino, que, até então, estava recolhido no presídio central. O fato de ele estar preso amenizava a dor que eu sentia, que eu sinto. Fiz o que pude pra manter o assassino preso, por mais que eu não atue nessa área.
Ontem, saindo do meu trabalho, me deparo com quem na rua?
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul concedeu habeas corpus para que o assassino do meu pai (aquele que matou com golpes de faca, deixando meu pai agonizando até a morte, sem motivo algum) possa responder ao crime fora da cadeia.”
Oscar Vieira Guimarães Neto, 61 anos, era síndico do edifício Santa Eulália, na Avenida Desembargador André da Rocha, no centro de Porto Alegre. No início da noite de quinta-feira, 5 de novembro de 2015, foi morto a facadas pelo vizinho do apartamento em frente ao seu. Guilherme Antônio Nunes Zanoni, então com 25 anos, estava ao lado da vítima, que agonizava no chão, sendo preso em flagrante e encaminhado ao Presídio Central.
Eu me formei em Direito, mas não sei responder qual direito eu tenho. O assassino tem direito de estar com a família, respondendo ao processo em casa. Que direito eu tenho? Não me garantiram nenhum direito, nenhum. O único direito que eu tive foi o de enterrar meu pai.
O Ministério Público, com ajuda do filho e advogado Rafael Guimarães, denunciou Zanoni à Justiça por homicídio triplamente qualificado: motivo torpe, uso de recurso que dificultou a defesa da vítima e meio cruel.
Por dois votos a um, desembargadores do Tribunal de Justiça atenderam parcialmente o pedido da defesa do assassino, Zanoni. Para os magistrados, por ser advogado, o réu deveria ficar preso em uma sala com instalações e comodidades adequadas a alguém com Ensino Superior. Como não existe um lugar assim em Porto Alegre, os desembargadores colocaram Zanoni em prisão domiciliar.
Na sexta, então, ele deixou o Presídio Central, onde estava desde a noite do crime, em 5 de novembro. Na segunda-feira, quando Rafael cruzou com ele, Zanoni havia ido ao fórum para fornecer seu endereço e assinar documentos em que se compromete a permanecer em casa até ser julgado. O encontro levou ao desabafo de Rafael, feito no Facebook, onde ele conclui:
“Quem será a próxima vítima até que seja julgado daqui a vários anos?
Fico pensando no quanto eu estudei pra me tornar advogado, pra chegar agora e minha vida se encontrar nessa situação. Eu confesso que tenho vergonha da profissão que escolhi. Por isso, a partir de hoje, não me procurem mais nesse sentido. Eu peguei minha carteira da OAB há bem pouco tempo, mas já tenho vergonha de andar com isso.
O assassino está fora da cadeia. Repito: um assassino. Não é um ladrão de galinha, nem um ladrãozinho de carteira. É alguém acusado de homicídio triplamente qualificado e que confessou o crime. Vocês sabem o que é isso? Se não sabem, procurem ler do que se trata, porque como falei, eu não sou mais uma pessoa que pode falar sobre isso.
Eu me formei em Direito, mas não sei responder qual direito eu tenho. O assassino tem direito de estar com a família, respondendo ao processo em casa. Que direito eu tenho? Não me garantiram nenhum direito, nenhum. O único direito que eu tive foi o de enterrar meu pai.
O único que continua preso e sem direito a advogado é o meu pai. Habeas corpus nenhum tira ele de onde está. Ele nunca mais sairá do lugar onde foi colocado por essa pessoa que falei que está solto por aí.
Na verdade, eu e meu irmão também estamos presos, pra sempre. Presos à ideia de que nunca mais veremos nosso pai. Já o assassino, está a desfrutar do direito que lhe foi concedido: estar em casa com a família.
Eu achei que era forte, mas desisto.”