Um pequeno mas barulhento grupo de pessoas fica muito irritado quando alguém fala sobre o cinema nacional sem aparentemente respeitar certos tabus cultivados ao longo das últimas décadas.
“Quem é você para falar isso?”, “você não sabe nada sobre o tema” e “você é um fracassado e tem inveja do sucesso alheio” são algumas das habituais objeções feitas a quem nada contra a corrente dos cineastas nacionais.
Mas, o que será que a própria comunidade vem dizendo a respeito da indústria audiovisual brasileira ao longo dos anos? Vejamos.
“O modelo que temos hoje ao meu entender não é o ideal. É ainda um modelo que exime o produtor de toda e qualquer responsabilidade e que a resposta do mercado não seja levada em consideração”: este é o recém-falecido Hector Babenco admitindo que a indústria é totalmente dependente de dinheiro dos pagadores de impostos para sobreviver.
O mesmo caso do diretor Ivan Cardoso, ao dizer: “O cinema brasileiro virou um lamaçal, em que são feitos ‘maravilhosos’ filmes milionários que o público não quer ver. O cinema brasileiro só existe por causa da subvenção oficial. (…) O Barreto [ele se refere ao célebre produtor Luiz Carlos Barreto] foi corajoso ao fazer o filme ‘Caixa Dois’, porque essa é a especialidade do cinema nacional. Diretores e produtores gastam milhões nos filmes e já se remuneram com o dinheiro arrecadado para a produção [dos longas]. Fazem filmes milionários com dinheiro público, que nunca seriam pagos pela bilheteria”.
“A aplicação dos recursos é irracional”, disse o falecido Gustavo Dahl, reconhecida autoridade na gestão de políticas públicas para o cinema, para depois completar: “Não há, nas leis, nenhuma preocupação com resultados”. Ele ia além: “Introduzir um produto inteiramente subsidiado num mercado altamente competitivo é uma incongruência econômica”.
“Não tem sentido patrocinar filmes ou peças, mas sim pôr o dinheiro na infraestrutura das atividades, na organização da atividade”, admite o diretor Domingos Oliveira.
Os filmes nacionais são caros e a própria comunidade admitiu isso ao longo dos anos. “Ivan Isola, diretor do Programa de Integração Cinema-TV criado pelo Governo de SP (…) criticou ainda os orçamentos inflacionados da maior parte dos filmes que procuram co-produção com a TV Cultura…”. Já Lucy Barreto afirmou: “Os nossos orçamentos estão quase o dobro dos argentinos e dos chilenos e mais caros que os dos espanhóis”.
“Faz a lista de quem mama nas tetas do governo, da esquerda… aí você vai entender as comissões das autarquias federais, da Petrobras, Eletrobras, e vai ver que é tudo carta marcada, tudo dominado por pequenos grupos. (…) Os caras acham que o governo tem obrigação de sustentar eles, pra fazerem mais filmes fracassados, pra ajudarem mais os filhos, as filhas, os namorados das filhas, os caras que comem eles, os caras que comem as mulheres deles, as mães deles. (…) No Brasil é assim: você pede 3 milhões pra fazer um filme. Aí o filme sai e é um fracasso total. Daí, em vez de enfiar a viola no saco, o sujeito faz outro filme, só que dessa vez pede 6 milhões. Aí o filme fracassa de novo, mas ganha lá um prêmio qualquer num festival (…) e o que o sujeito faz o quê? Resolve fazer outro filme, só que dessa vez pede 11 milhões”, revelou Neville D’Almeida, diretor de um sucesso dos anos 1970, “A Dama do Lotação”.
“Ninguém quer arriscar dinheiro privado a não ser uma distribuidora ou outra”, comentou Anna Muylaert (a regozijada cineasta que adora aparecer ao lado de Dilma Rousseff) sobre o mercado de cinema.
“Cacá Diegues e Luiz Carlos Barreto, por exemplo, tiram o deles na produção, porque se forem correr o risco de esperar a bilheteria, vão morrer de fome”, revela a produtora Paula Lavigne.
Em resumo: uma indústria dependente do governo, dominada por famílias e cuja dinâmica é determinada por relações pessoais, resultando numa equação inviável de filmes caros demais para alimentar a própria comunidade. Como eles mesmos disseram.