Há duas maneiras de reagir à notícia de que um seriado sobre o concurso “Miss Bumbum” será financiado com 5,5 milhões em recursos dos pagadores de impostos por meio de um dos inúmeros mecanismos de “fomento” existentes hoje no Brasil. A primeira é aquela com foco na bizarrice da própria notícia, na qual o projeto em si ganha destaque. A segunda é aquela em que o foco se posiciona no contexto regulatório que permite e resulta em situações como esta. Uma leva a uma suposta “solução” equivocada para o problema; a outra devolve o assunto ao campo da iniciativa privada, de onde jamais deveria ter saído.
Até alguns anos atrás, os canais de TV fechada em atuação no Brasil montavam sua grade com programas comprados no imenso mercado audiovisual existente no mundo e com programas produzidos por conta própria. Em ambos os casos, elementos como audiência e custo total da operação eram preponderantes. Ou seja: era absolutamente inviável adquirir ou produzir uma atração que não pudesse vir a dar retorno no futuro – ao menos esse seria o princípio norteador do negócio todo.
Com o advento da “Lei da TV a cabo”, o estado brasileiro passou a exigir desses canais (ou simplesmente “programadores”) a inserção em sua grade de uma quantidade mínima de conteúdo nacional produzido de forma independente – ou seja, filmes, programas e séries feitos no Brasil, mas não diretamente pelos próprios canais. Para compensar a obrigatoriedade (sobre a qual os canais teriam pouca ou nenhuma margem de manobra quanto ao preço das aquisições), o mesmo estado disponibilizou aos programadores mecanismos de fomento com base em incentivo fiscal, de modo que os canais pudessem terceirizar suas próprias produções a produtores independentes, permitindo, a partir de então, que o orçamento dos novos projetos pudesse ser quase que integralmente suportado por dinheiro público – independente se saído do orçamento da União ou deixado de ser escolhido.
O resultado dessa combinação (reserva de mercado mais fomento com dinheiro público) serviu a todos os agentes do setor: produtores de conteúdo viram a demanda por seus produtos multiplicar-se automaticamente (sem que para isso concorresse qualquer atitude dos próprios espectadores) e canais de TV a cabo puderam se livrar do risco de produzir material próprio com dinheiro do bolso, transferindo ao erário público o “risco” das operações.
Não é demais lembrar, contudo, que após a aprovação da Lei da TV a cabo o setor registra queda constante no número de assinantes, em movimento similar ao ocorrido com as salas de cinema entre as décadas de 1970/1980, quando quanto mais se obrigava a exibir filmes nacionais, mais cinemas eram fechados.
No mercado, o resultado indireto da injeção constante de dinheiro sem qualquer relação com oferta e procura foi o inflacionamento constante dos preços, de modo que, hoje, um episódio de seriado vagabundo produzido no Brasil custa o mesmo que um longa-metragem para cinema aos preços de alguns anos atrás. E a tendência é sempre aumentar, porque a pressão do mercado é para que as verbas públicas cresçam ano a ano, o que impede totalmente os preços de se adequarem ao que seria o valor mais condizente com o mercado de fato.
A reação equivocada à aprovação de projetos como o de “Miss Bumbum” é exigir do governo “maior fiscalização” e que o dinheiro seja apenas “investido” em projetos de “cunho cultural” ou qualquer platitude do gênero que, em termos práticos, não fará nem cócegas no atual estado de coisas. Exigir que “Miss Bumbum” seja reprovado só fará sobrar mais dinheiro para outros projetos cuja aparência mais “cultural” esconde proselitismo de esquerda e agenda política. De que adiantaria eliminar “Miss Bumbum” e “empoderar” seriados que glorificam invasores de terras ou tiranos como Hugo Chávez?
A resposta certa para o problema é retirar qualquer reserva de mercado no setor. Sem reserva de mercado, vai por terra a necessidade de financiar a fundo perdido a produção audiovisual com verba pública. Qualquer “incentivo” da parte do governo deveria se limitar a eliminar impostos e taxas que encarecem a cadeia produtiva do audiovisual. Outra resposta diferente disso limita a questão a um embate entre “Miss Bumbum” e propaganda do partido comunista: o que você prefere?