No último domingo (21) foi realizada uma mega operação policial na Cracolândia, Centro de São Paulo, para prender diversos traficantes que circulam no local e limpar a região central. O prefeito João Dória aproveitou a ocasião para dizer que o programa “De Braços Abertos”, criado pela gestão de Fernando Haddad (PT), estava extinto, e iniciou o programa “Redenção”.
Dória chegou a afirmar que “a Cracolândia acabou”, bem como anunciou ações sociais e de saúde em parceria com o governo estadual, incluindo 3 mil vagas para usuários de crack e outras drogas nos centros de acolhida da região e no CRATOD (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas).
O debate sobre a operação incendiou as redes sociais durante toda a semana, com as mais diversas opiniões, de pessoas apoiando ação do governo e da prefeitura até grupos repudiando o ato. A ação do governo foi eficaz? Vai resolver? Foi correta? De antemão, já adianto minha resposta: definitivamente, não. Foi uma ação que, assim como qualquer outra ação estatal, passou muito longe de resolver o problema. Isso é tão verdade que o fluxo de usuários de crack ressurgiu na Praça Princesa Isabel, a 400 metros da “antiga” Cracolândia, poucas horas depois da ação.
Primeiramente, o uso de substâncias psicoativas, ou seja, aquelas que causam algum tipo de alteração no sistema nervoso central, deve ser desmitificado. A maior parte da população faz uso de alguma substância desse tipo, seja álcool, cafeína, ansiolíticos, benzodiazepínicos, barbitúricos, ansiolíticos, etc. A diferença óbvia é que as substâncias citadas são parte das chamadas “drogas lícitas”, ou seja, drogas “legalizadas”.
Obviamente, os efeitos provocados pelo uso dessas drogas, tanto do ponto de vista da saúde quanto social, são muito distintos. Comer uma barra de chocolate é muito diferente de fumar uma pedra de crack, apesar de ambos provocarem alterações cerebrais. O importante é lembrar que, desde sempre, a humanidade utiliza essas substâncias.
As principais causas das Cracolândias são sociais e econômicas. Normalmente, são formadas por pessoas que tiveram pouco ou nenhum acesso à educação formal, de menor poder aquisitivo e vindos de famílias desestruturadas ou com laços familiares rompidos. Em um país com grande quantidade de intervenções estatais e baixa liberdade econômica como o Brasil, é fácil notar que o estado possui responsabilidade direta por essa situação ao impossibilitar que parte dos mais pobres gerem riqueza e melhorem de vida.
Quando o indivíduo possui uma forte rede de apoio familiar, estudos e boa renda, é mais provável que o uso abusivo de drogas seja algo de cunho individual ou tratado no âmbito familiar, não um caso a ser resolvido pelo estado. Nesses casos, a probabilidade de alguém parar na rua por causa do vicio, apesar de existir, é bem menor. Lembrando que há pessoas em situação de pobreza extrema ou nas ruas que utilizam drogas para tentar, de alguma forma, “fugir” de situações de fome, perigo, frio e/ou doença.
Para a esquerda, a solução envolve as mesmas intervenções estatais de sempre, como “mais políticas públicas” ou o uso controlado de drogas fornecidas pelo estado por meio do SUS. Em alguns países europeus como Alemanha e Portugal, os usuários de fato conseguem obter acesso às drogas por meio de clínicas e/ou hospitais de forma controlada e monitorada pelo estado. Entretanto, é inimaginável que isso funcionasse no SUS, levando em consideração que os hospitais estatais brasileiros mal possuem antibióticos e gazes. Certamente haveria escassez, denúncias de hospitais fornecendo farinha de trigo ao invés de cocaína, corrupção e desvio de verbas, como ocorre em diversos outros setores do SUS.
Além disso, iniciativas de militantes da esquerda como a “Craco Resiste” apenas mantêm o uso de substâncias cercada de estigma negativo. O próprio nome dá a entender que, na verdade, eles defendem a permanência das pessoas na Cracolândia e fazem apologia ao uso das drogas. Além disso, há a questão ideológica, visto que são contra qualquer iniciativa que venha do PSDB porque acreditam que os socialistas fabianos são de “direita”. O mais irônico é que a própria Constituição de 1988, tão amada e idolatrada pela esquerda, dá aval para que os representantes do estado possam agir como agiram.
Por outro lado, a internação compulsória solicitada pelo prefeito João Dória (atualmente negada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo) é uma péssima iniciativa. Fora a internação voluntária, já existe a possibilidade legal de intervenção involuntária (a pedido de um terceiro, sendo autorizada por um médico e finalizada somente com solicitação por escrito da família, do responsável ou do médico que cuida do tratamento). A compulsória (determinada pelo juiz), além de apresentar alto índice de reincidência dos usuários, prejudica e boicota o trabalho das equipes de saúde, visto que os usuários tornam-se mais arredios às abordagens quando passam a associar o jaleco branco aos que buscam levar os usuários à força para que sejam internados.
O sistema de assistência social do Estado de São Paulo não tem estrutura para abrigar e acolher todas as pessoas em situação de rua nas Cracolândias da cidade (atualmente são nove, sendo a do Centro a maior delas). Mesmo em dias normais, há uma grande dificuldade em obter vagas provisórias (fixas são ainda mais difíceis) para pessoas em abrigos e centros de acolhimento, além de estarmos na época da Operação Baixas Temperaturas (focada em evitar que as pessoas em situação de rua sofram com o frio). As comunidades terapêuticas tampouco dariam conta de receber todas essas pessoas.
Não há uma fórmula mágica para acabar com as Cracolândias. Entretanto, o proibicionismo, a guerra às drogas, o intervencionismo estatal, a apologia às drogas feita pelos militantes da esquerda e a abordagem meramente policial pioram cada vez mais o problema. No fim, a Cracolândia é mais um dos inúmeros problemas sociais e econômicos causados pelo estado.