Não existe nenhum paralelo com a função de delegado em nenhuma parte do mundo. A figura do “policial jurista” que fica de terno recebendo ocorrências de todas as outras polícias e policiais para deliberar juridicamente o fato narrado ou para presidir qualquer investigação criminal pelo fato dele ter formação jurídica é uma aberração tupiniquim. É a famosa jabuticaba: só existe no Brasil.
A figura do delegado surgiu após a chegada da corte portuguesa ao Brasil em 1808. Foi criada a Intendência Geral de Polícia chefiada por um desembargador e com status de ministro de estado.
Em razão da extensão do território brasileiro, o intendente podia autorizar outra pessoa a representá-lo nas províncias, criando a figura do “delegado” com funções de autoridade policial e judicial.
Em 1827 foi criada a figura do juiz de paz que mantinha as mesmas atribuições. Era uma figura que acumulava a função de autoridade policial e judicial, com a diferença que era escolhido por eleição local e não tinha a nomenclatura de “delegado”.
Em 1841 houve nova reforma e os delegados passaram a ser escolhidos entre juízes e demais cidadãos, possuindo autoridade para julgar e punir. Surgiram as funções de polícia administrativa e judiciária, onde o delegado era responsável pela higiene, assistência pública e viação pública, além de prevenir o crime e manutenção da ordem. Como polícia judiciária podiam conceder mandados de busca e apreensão, realizar corpo de delito e julgar crimes com penas de até seis meses e multa até cem mil-réis. Ou seja, quase um juiz de pequenas causas.
Em 1871 houve a separação entre a função policial e a judicial, e o delegado foi proibido de julgar crimes. Entretanto, surgiu o burocrático inquérito policial: uma imitação do processo criminal que transformou a polícia em um grande cartório burocrático, lento e ineficiente focado em preencher papelada inútil, ao invés de elucidar crimes, e presidido por um burocrata com formação jurídica e não um policial técnico e com formação multidisciplinar.
Mesmo com o advento de novas constituições e o surgimento do Ministério Público (1890), o Brasil nunca conseguiu se livrar dessa figura arcaica que insiste em ser policial e juiz ao mesmo tempo: o delegado.
No mundo todo, o policial que realiza a prisão ou investigação leva seu trabalho diretamente ao titular da ação penal e destinatário da investigação/ocorrência (um promotor do Ministério Público) e ao juiz, sem intermediários ou atravessadores. No Brasil, toda e qualquer investigação e/ou ocorrência deve ser levada ao conhecimento e presidida por um delegado (bacharel em direito), ou seja, para um gargalo, uma reserva de mercado, uma centralização de poder.
Além disto, o delegado (bacharel em direito) entra na polícia mediante concurso público e possui salário muito superior aos agentes policiais, mesmo sem ter experiência na atividade policial, começando sua carreira como chefe de dezenas de policiais com vasta experiência em investigações criminais. O delegado é o chefe sem experiência.
Em diversos outros países, o policial inicia a carreira na base da profissão e, ao longo do tempo, com aprimoramento de sua performance e melhor formação ascende até chegar ao topo da carreira policial. Um plano de carreira único e bem definido.
Precisamos de reformas liberais para mudar o modelo de polícia no Brasil. É urgente que tenhamos polícias de ciclo completo e carreira de entrada única para descentralizar, modernizar, dar celeridade, desburocratizar, simplificar e trazer eficácia para um sistema arcaico que, hoje, esclarece apenas 8% dos homicídios e 5% dos crimes em geral.
É preciso federalizar o sistema, deixando a cargo de cada estado e município a organização de seu modelo de polícia, gerando concorrência entre modelos de gestão policial e ascensão de boas práticas que possam ser reproduzidas por outras localidades. Precisamos de polícias municipais mais próximas da sociedade e mais fáceis de gerir por serem corpos menores e locais, fortalecendo o conceito de polícia comunitária próxima do cidadão.
Precisamos de uma polícia multidisciplinar com equipes de policiais formados em diversas áreas do conhecimento, com capacidade técnica para elucidar os mais variados tipos de crimes e responsáveis pela própria ocorrência/investigação sem a necessidade do gargalo “delegado”. Precisamos de um Ministério Público mais próximo da investigação, capa de solicitar as investigações e provas que ele necessitar para oferecer a denúncia.
Nossa polícia precisa de uma evolução liberal para abandonar o século XIX, entrar no Século XXI e combater com maior eficácia e rapidez os crimes que vitimam os brasileiros.