A escolha de Guilherme Boulos como pré-candidato do PSOL à Presidência da República pegou de surpresa alguns seguidores da legenda. Em protesto contra a escolha de um dos grandes defensores de Luiz Inácio Lula da Silva e do Partido dos Trabalhadores, muitos se revoltaram alegando que o partido – criado com as mais “nobres” intenções de lutar pelo “socialismo real” – havia deixado seus ideais e se curvado à grande máquina política petista que há muito tempo se rendera aos “ditames do grande capital”.
O partido dissidente fundado por Luciana Genro, Heloísa Helena e outros menos conhecidos sempre fez questão de deixar claro que tinha divergências profundas com o Partido dos Trabalhadores, e que ali sim os socialistas brasileiros encontrariam um terreno seguro e fértil para levar à frente suas ideias “humanitárias” (que, historicamente, de humanitárias não têm nada). Nascia ali mais um partido de esquerda, agora com um solzinho simpático que atraia os jovens, indicando um socialismo repaginado e teoricamente diferente do velho comunismo autocrático que marcou o Século XX.
Mas o que aconteceu na prática? O PSOL foi se firmando como um pequeno mas influente partido, levando suas pautas radicais ao cenário político, ganhando espaço nas universidades e lançando candidatos à presidência que faziam seus ideais soarem razoáveis e até desejáveis por alguns setores da sociedade. Sempre mantendo um discurso de “não temos nada a ver com o PT”, o partido caminhava com ares de independência e autonomia, mas na política real as coisas não eram exatamente como no discurso.
Enquanto o PT governava com muita popularidade, dialogando com os principais setores da sociedade e enfraquecendo a oposição, o PSOL estava ali, logo ao lado, como fiel escudeiro, permitindo que o partidão tivesse cada vez mais governabilidade, influenciando as diretrizes políticas da nação, aprovando ou vetando leis em sincronia com seus aliados partidários e tratando de forma branda investigações de corrupção que deixavam cada vez mais claro que, sem burlar o sistema, as pautas revolucionárias eram praticamente inviáveis. Na teoria, o PSOL nasceu por divergências com o PT; na prática, o PSOL nasceu pela necessidade da esquerda brasileira de ter um partido com uma cara mais jovem, fiel às ideias, menos pragmático, um espaço para abraçar aqueles mais idealistas, com um perfil que não contribuiria muito para a política real exercida pelo PT, tudo de acordo com o projeto revolucionário de tomada gradual das instituições.
Não só o PSOL auxiliaria o “partido matriz” ao disputar em frontes diferentes como também se juntaria a outros partidos nanicos que sempre vemos por aí, engrossando as manifestações convocadas pelo PT, utilizando-se do milionário fundo partidário para manter uma estrutura de pressão social extremamente sofisticada e sempre pronta para ser acionada nos momentos em que o projeto revolucionário sofria alguma ameaça. PCdoB, PSTU, PSB, PCO e companhia estavam sempre presentes, assim como o PSOL, para viabilizar politicamente não apenas o PT em si, mas a ideologia que todos eles compartilham. O crescimento de outros partidos que auxiliavam o Partido dos Trabalhadores não era só desejável, mas necessário para fortalecer a retaguarda do grande projeto político de longo prazo que estava em pauta.
Bastou o enfraquecimento momentâneo do “partido matriz” (após uma série de medidas administrativas catastróficas que levaram Dilma Rousseff ao impeachment) para que o PSOL deixasse evidente sua função, cedendo espaço para Guilherme Boulos discursar em nome do partido e não escondendo sua grande afinidade com velhos personagens da política brasileira. O episódio frustrou muita gente. O espaço que fora criado para defender o “socialismo de verdade”, devido a um momento político mais tenso que o normal, teve que escancarar suas verdadeiras funções e mostrar que, no fim das contas, tudo não passava de um grande teatro político em torno de um corpo homogêneo de ideias que, devido à estrutura política democrática, convenientemente se fragmentou em várias agremiações para viabilizar o projeto como um todo.
O socialista brasileiro pode pular de partido em partido, encontrando aquele que tem mais afinidade, fazendo amizades, construindo sua história de ativismo e acreditando que está fazendo real diferença no mundo, mas em meio a todo este universo de boas intenções a verdade fica cada vez mais evidente: não importa quão sofisticada seja a estrutura política construída pela esquerda, no fim das contas o socialismo não dá certo, gerando sempre a destruição dos direitos naturais e a escassez de recursos que levam a nação, fatalmente, ao despotismo e ao colapso econômico. E dado o colapso, não há solzinho, estrelinha ou foice e martelo que possam dar jeito, e os sobreviventes acabam suplicando pelas instituições liberais que mudaram e continuam mudando o mundo para melhor desde o Século XVIII.