O artigo 155, inciso III, da Constituição Federal estabelece o poder dos Estados e do Distrito Federal para a instituição do imposto sobre a propriedade de veículos automotores, conhecido por IPVA, aquele boleto gerado pelos governos estaduais que compromete o bem-estar e a saúde financeira das famílias no início de todos os anos. Poucos conhecem a origem deste tributo, concebido originalmente como “taxa”.
A falecida Taxa Rodoviária Única (TRU) criada pelo Decreto-lei nº 999, de 21 de outubro de 1969, taxava a propriedade de veículos automotores de acordo com as características do veículo (peso, potência, capacidade máxima de tração, ano de fabricação, cilindrada, número de eixos, tipo de combustível e dimensões do veículo) de acordo com um valor especificado pelo Ministro dos Transportes e não podendo exceder os limites estipulados no decreto-lei. O produto da arrecadação era dividido entre o Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER) e os Estados, Distrito Federal e Municípios, que direcionavam essa parcela da arrecadação para a conservação e sinalização de vias. A taxa começou a vigorar no país no dia 1º de janeiro de 1970, tendo como um de seus signatários o então Ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto.
Vale mencionar a diferença técnica entre “taxa” e “imposto”. A taxa é cobrada em função de uma atividade estatal específica cujos recursos devem necessariamente corresponder à despesa gerada por esta mesma atividade estatal (Artigo 77 do Código Tributário Nacional). O imposto incide sobre fatos sociais e não corresponde a uma despesa específica (Artigo 16 do Código Tributário Nacional). Logo, as taxas têm destinação específica (custear um serviço público) e o imposto compõe o grande orçamento da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Jamais houve (não há registro em nossa história!) intenção do Estado de devolver os recursos recolhidos por meio de taxas em um montante acima do valor da despesa. Além disso, diversos entes da federação criaram “taxas” que em nada correspondem ao pagamento pela despesa de um serviço estatal específico. A lei era (e ainda é) simplesmente editada e o recurso tomado das famílias tem uma destinação absolutamente desvirtuada de seus propósitos originais.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (atual), foi especificada a competência tributária dos Estados e Distrito Federal para a instituição de um imposto sobre a propriedade de veículos automotores, eliminando a taxa para custear especificamente os serviços de conservação de vias públicas. Obviamente, a “evolução” da TRU para IPVA gerou maior arrecadação do estado – acabando com a vinculação dos recursos obtidos à uma despesa específica – e sujeitou o controle do imposto à boa vontade e às convicções políticas do governante.
O estado sempre busca aumentar sua arrecadação. Em contrapartida, não há melhora na qualidade de vida das pessoas. Isso fica claro quando se percebe que as melhores vias existentes em nosso país estão sob a gestão privada e que qualquer solicitação de melhorias urbanas de vias esbarra na burocracia e ineficiência do estado.
Devemos ir no sentido contrário dos falsos heróis sociais: com o aprimoramento do transporte e a própria evolução – mesmo que insuficiente – do transporte público nas últimas décadas, bem como com o incentivo dos gestores públicos nos últimos anos para que todos adquirissem um automóvel e a própria crise econômica que perturbará o brasileiro por mais algum tempo, faz sentido manter a tributação sobre a propriedade de veículos automotores?
O carro – como instrumento de locomoção de pessoas e coisas – permite o exercício de liberdades como ir e vir, trabalhar, buscar entretenimento e interação social, gerando cooperação entre indivíduos. Manter um tributo como o IPVA sobre a propriedade de um bem que permite o fluxo de riqueza – já atingida por inúmeros outros tributos – é admitir e atestar que o maior esforço dos governantes estatais é suprimir o direito de propriedade dos indivíduos.
Pensemos na tentativa ridícula dos governantes de ampliar o alcance da expressão “veículos automotores” para todo e qualquer meio motorizado. Pensemos na embaraçosa situação daqueles que conseguem lograr sucesso em sorteios de final de ano com um carro importado como recompensa (como pagar o IPVA sobre o prêmio tão desejado?). E pensemos, principalmente, nos milhares de brasileiros que fazem uso dos automóveis como meio de subsistência, garantindo o sustento de suas famílias, nos brasileiros desempregados e na iniciativa privada suprimida ao ser onerada pela propriedade de um veículo automotor.
O IPVA perdeu seu sentido, influencia negativamente a vida das pessoas e corrompe o propósito de liberdade assegurado pela Constituição Federal. É um defunto que deve ser enterrado para que, ao menos, uma pequena fatia de propriedade privada seja protegida das garras estatais.