10 coisas fundamentais que você precisa aprender sobre a periferia para entender o Brasil

O estado como principal inimigo dos indivíduos, ausência de relação de “exploração” entre patrões e empregados, rejeição aos impostos excessivos e entraves burocráticos, valorização do trabalho e esforço individuais como formas de ascensão social em detrimento de políticas estatais que põem em dúvida as capacidades pessoas (como as cotas), valorização do empreendedorismo e dos serviços oferecidos pelo mercado (como escolas privadas) em detrimento dos serviços estatais e valorização do âmbito privado (família e igreja) como base para a sociedade.

Parece ser apenas a visão defendida pelos liberais nas redes sociais e nos diversos espaços públicos, mas essa é a descrição das percepções e valores políticos na periferia de São Paulo, obtida por meio de uma pesquisa qualitativa feita, curiosamente, pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao Partido dos Trabalhadores, na periferia da cidade de São Paulo.

O relatório final dessa pesquisa – que pode ser encontrado aqui – mostra um espetacular retrato do pensamento político e econômico dos moradores da periferia, onde a população é essencialmente capitalista e valoriza muito mais a iniciativa privada e individual do que a iniciativa estatal, vista como gratuita e de qualidade. E possui observações tão fundamentais para entender o Brasil que separamos e analisamos dez delas para apresentar a você.

  1. As diferenciações na política institucional são irrelevantes

Sendo pessoas com uma rotina agitada e geralmente ocupada pelo trabalho, essa população pouco se importa com a polarização entre “esquerda” e “direita”. Na verdade, as palavras que limitam os campos políticos ou que são usadas de maneira pejorativa em disputas políticas (“reaça” e “coxinha”, por exemplo) não fazem parte do vocabulário. As nuances de posicionamento entre os partidos não são claras e muitas vezes consideram que os partidos “são todos iguais”.

Da mesma forma, pouco diferenciam entre as esferas federal, estadual e municipal, bem como entre os poderes legislativo e executivo, tratando tudo como “governo”. Por outro lado, cobram da prefeitura a solução para os problemas concretos da cidade e da região em que vivem (bailes funk, pontos de vendas de drogas, falta de zeladoria urbana, serviços estatais de má qualidade e falta de espaços de lazer estatais que, quando existem, são mal cuidados) enquanto vêem as questões mais macro e abstratas como responsabilidade da Presidência da República.

2. Ninguém se importa com a retórica da esquerda

A retórica marxista da “luta de classes”, o ódio ao capitalismo, a repulsa ao mérito e os ataques constantes à família e à igreja são o exato oposto do que esse estrato da população defende.

Patrão e trabalhador são vistos como diferentes, mas não há uma visão de “exploração” do primeiro sobre o segundo: na verdade, ambos são vistos como estando no “mesmo barco” e não há conflito de interesses.

Mesmo os ideais coletivistas – tão caros à esquerda – praticamente não aparecem nas narrativas e, quando aparecem, restringem-se a entidades privadas como a família, a vizinhança e a igreja.

3. O estado é considerado o principal inimigo dos indivíduos

O principal confronto na sociedade não é entre ricos e pobres, capital e trabalho ou corporações e trabalhadores, como a retórica de esquerda quer fazer crer. Na verdade, essa população percebe que o grande confronto se dá entre estado e indivíduos: todos são vítimas do estado que cobra impostos excessivos, impõe entraves burocráticos, gerencia mal e acaba por limitar ou sufocar a atividade das empresas.

No geral, tratam o mercado como mais crível do que o estado, sendo a esfera privada mais relevante do que a estatal e defendem mais iniciativas privadas atuando em favor da sociedade. Mesmo no caso dos programas estatais, há maior confiança nos programas que ofertam recursos financeiros imediatamente – como o Bolsa Família – e menos nas leis que “garantem direitos”.

Como definiu a própria pesquisa petista, é o liberalismo das classes populares.

4. O mérito individual é mais importante do que as políticas estatais

A população da periferia não quer ser tratada como uma massa “amorfa” e incapaz chamada “pobres”. Pelo contrário, essa população deseja ter sua individualidade reconhecida, organizando sua vida em busca de melhores condições de vida.

Por isso mesmo, rejeitam as políticas estatais que entram em confronto com a conquista por meio do mérito pessoal, como as cotas; e valorizam figuras que “vieram de baixo” e cresceram por mérito próprio como João Doria Jr., Lula e Silvio Santos. Mesmo Lula é admirado mais por ser um exemplo de ascensão social do que pelas políticas que implantou, abrindo espaço, de acordo com a própria pesquisa petista, para políticos que valorizem mais o mercado e o mérito enquanto têm a mesma trajetória de ascensão social como João Doria Jr.

No mesmo sentido, valorizam muito o trabalho e o esforço individuais para superar as barreiras. Nada é intransponível. Como disse um dos entrevistados: “Se você
não tem o esforço e não se ajuda, Deus não vai te ajudar, não vai cair do céu”.

5. O empreendedorismo é altamente valorizado

O empreendedorismo é visto como uma forma de “ser dono do próprio nariz” e não “dever a ninguém”, além de estar associado às histórias de ascensão social bem-sucedidas. Muitos dos trabalhadores do mercado informal ou autônomos se auto-definem como empreendedores.

Dessa forma, o estado é visto como principal empecilho ao empreendedorismo graças ao excesso de burocracia e altos impostos.

Nas palavras dos próprios entrevistados: “Eu queria um negócio de vender batata frita, a casa da batata frita… Eu gostaria de começar por aí, não trabalhar pros outros, mas pra mim mesma!”; “A gente pensa assim: sou um cara ambicioso, estou com a faca e o queijo na mão, no caso esse empreendimento ai tem tudo para dar certo, porque não tentar?”.

6. A família – e não o estado – é vista como solução para os problemas da sociedade

A família é vista como a principal base e solução para os problemas individuais e coletivos, sendo o “tudo, é o que faz valer a pena“, “o porto seguro, o que mantém a gente na linha“. A família é vista como a base para a construção de uma sociedade mais correta, sem violência, sem corrupção, mais desenvolvida, com pessoas de caráter e honestas.

Dessa forma, a crise da sociedade não é um problema estrutural em que o estado deve se envolver, mas de ordem individual, resolvida por meio da educação no âmbito da família.

Nas palavras dos próprios entrevistados: “Família é base de tudo! A família é alicerce para você ser alguém na vida!”; ” Na sociedade, (a família) não está sendo muito importante, né? As pessoas não estão valorizando mais a família como deve ser valorizada”.

7. A escola desempenha um papel fundamental – e se for privada, melhor ainda

A escola é considerada a chave para ser “alguém na vida”, é o primeiro passo numa trajetória: aqueles que estudam e se dedicam conquistarão melhores empregos, melhores bens e terão um “lugar no mundo”. A grande maioria almeja colocar os filhos em escolas particulares, mostrando novamente a descrença no serviço estatal.

Nas palavras de uma das entrevistadas: “O ensino é bem melhor na particular. Meu neto estudava numa escola particular, só que ele saiu porque não tinha condições mais de pagar, mas se ele tivesse lá ainda, ele já estaria lendo (…) tem muita diferença do ensinamento (…) Porque eu acho que você está pagando você pode exigir e em escola pública você vai exigir de quem? Não pode exigir!” 

8. Além da família, outra entidade privada é considerada fundamental: a igreja

A religião cumpre três funções fundamentais na vida dos moradores da periferia: fornecer o principal espaço de sociabilidade, pertencimento e acolhimento, constituindo uma rede de apoio e solidariedade comunitária; atuar como selo de honestidade e idoneidade, demonstrando para os demais que você está no caminho correto; e atuar como base estrutural, junto com a família, deixando a vida menos difícil.

Nas palavras dos entrevistados: “Se você não tiver essas duas coisas (Deus e Família) conciliadas, ao mesmo tempo, não dá muito certo não. (…) Você tem que ter essa estrutura, essa fé. É o que te anima, cara, pra você enfrentar o dia a dia, os problemas do cotidiano.”; “Na igreja é a verdadeira família: aquela te liga, que chega no domingo senta no chão almoça, janta, que fala dos problemas. Que se você estiver passando por um problema, uma situação difícil, ele vai, não meu irmão, a gente vai te ajudar. Vamos vê o que a gente faz,
a gente vai te ajudar, se você estiver precisando de uma cesta básica todo mundo corre. Cada um traz um açúcar, um café, um exemplo, é isso, para mim família é isso, é a religião.”; “Te faz sempre ficar no caminho correto, não desviar do caminho as coisas tá difíceis se você não tiver Deus as coisas ficam mais difíceis ainda.”

A pesquisa salienta também que há certo nível de tolerância para o que poderiam ser considerados “desvios” na ótica religiosa, revelando certa flexibilidade em relação aos dogmas das igrejas, como no caso do respeito e aceitação das diferentes orientações sexuais.

9. A vinculação entre política e religião não é bem vista

Líderes religiosos que se candidatam a cargos políticos e discursos políticos em espaços religiosos não são bem vistos pela maioria por medo de que a política “contamine” os espaços religiosos, como se fosse impossível entrar na política sem se render e participar da corrupção. Outros, entretanto, acreditam que os homens religiosos podem moralizar os espaços políticos.

Por outro lado, a maioria não apresenta resistência ao voto em políticos que o líder religioso indique ou que frequentam o mesmo espaço religioso, havendo mais uma identificação com aqueles que têm algo em comum com a comunidade do que por um aspecto ideológico ou religioso.

Nas palavras dos entrevistados: “Acho que não tinha que se misturar. O político rouba muito, líder da igreja eles vão acabar pecando lá, roubando (…) a política tem muita sujeira assim.”; “Votei em alguns pastores, (…) acho que eles não roubariam”.

10. Todos odeiam os políticos

A política institucional é vista com descrédito e considerada “suja” e “cheia de mau caráter”.  Os políticos são vistos como aqueles que não cumprem seus deveres em relação às necessidades dos cidadãos e buscam somente vantagens pessoais. Além disso, a corrupção é vista como o principal problema do Brasil, não apenas pelo roubo em si, mas como causadora dos demais problemas do país.

Essa população entende que as decisões políticas influenciam suas vidas e gestões políticas ruins trazem impactos negativos em suas vidas como inflação, aumento de preços (carestia), serviços estatais de má qualidade, alta cobrança de impostos, entre outros.

Nas palavras de um dos entrevistados: “Tem que jogar tudo no lixo e fazer tudo de novo, porque está tudo contaminado, tudo estragado!”.

Conclusões

De acordo com a pesquisa petista, no imaginário da população da periferia paulistana não há luta de classes e, em grande medida, o próprio estado é o principal inimigo, numa visão de liberalismo popular com a demanda por menos estado, instituição vista como prestadora de serviços de má qualidade.

Apesar da pesquisa não ter sido realizada em outras cidades do país, é razoavelmente provável que o pensamento na periferia das cidades, onde está a maioria da população brasileira, seja bastante similar ao apontado por esta pesquisa.

Assim sendo, a pesquisa exorta aqueles que a esquerda em geral a “evitar o discurso que nega o mérito” e “produzir narrativas menos maniqueístas ou pejorativas sobre as noções de indivíduo, família, religião e segurança”. Certamente veremos isso acontecendo nos próximos meses.

Resta, portanto, uma conclusão: a periferia – a ampla maioria da população – é liberal. E um questionamento: o que falta para que tenhamos um Brasil liberal?

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