Quando você abastece seu carro ou paga sua passagem de ônibus deveria saber que o custo de origem disso é um terço do que era há pouco mais de um ano, mas você paga cada vez mais porque precisa repor o que foi sistematicamente saqueado da maior empresa brasileira.
Em todo mundo, o combustível e a passagem de ônibus estão mais baratos, mas no Brasil, não. Porque uma quadrilha, para financiar um projeto de poder – a “revolução” – tirou o que agora precisa ser reposto, afinal “o petróleo é nosso” (antes não fosse). Também teve incompetência e leis absurdas de reserva de mercado, mas isso eu admito como escolha ideológica que a burrice nacional merece.
“Ah, mas foi para ajudar os pobres, para tirar dos ricos, dessa nojenta classe média”, você alega.
Compreendo todo ódio de meus amigos de esquerda contra essa gente que se veste de verde-amarelo e enche as ruas. Mas não é genuíno ódio de classes, como ensinava o profeta Marx. É apenas raiva por ter sido pego em plena adesão ao lado errado da história, por ter sido flagrado em seus equívocos, tornados evidentes por uma derrocada econômica e social sem paralelo na história nacional, “nunca antes na história deste país”.
Quem está gritando “é golpe” pode até querer revolução, pode até querer salvar a pobreza da inveja igualando todos na pobreza, mantendo apenas a aristocracia dirigente, como fizeram todos os socialismos realmente existentes sem exceção. Eu já fui do PCB, do tempo pró-soviético, sei bem como funciona esse pensamento. O ressentimento é a força que move as ideias políticas mais “lindas”. É da vida.
Lênin e Fidel Castro roubaram a liberdade, a autonomia e a esperança de povos inteiros, mas o fizeram depois da revolução, não antes. Não passaram uma década pilhando as riquezas nacionais e ajudando a enriquecer uma casta de empresários corruptores antes da revolução. Não estavam pessoalmente enriquecidos no momento da revolução. Não se locupletaram fartamente das benesses do capitalismo que combatiam antes de tentar destruí-lo.
Então, caro amigo que segue no ódio de classes que de classes nada tem, eu o compreendo. Também já fui da classe média com ódio da vida como ela é e dos que produzem e chegam ao sucesso por produzirem. Mas se você quer mesmo a revolução, dê-se conta de que essa gente que pilhou o país, todas suas estatais, que derrotou a prosperidade e as esperança dos pobres mais do que dos ricos, que desempregou milhões por incompetência e roubalheira, essa gente nunca vai fazer revolução. Essa gente só demonstra o quanto a revolução é um erro, uma utopia destinada a se transformar em distopia, como a que estamos vivendo. Um golpe.
Reconheço que a crise me atinge pouco pessoalmente. Atinge muita mais aquela “gente honesta, boa e comovida” que Chico Buarque cantou, inspirado na falaciosa e romântica lenda campesina.
Mas afirmo: o pior “golpe” sofrido por você, irmão sincero de esquerda, apóstolo sincero da utopia, foi sua querida revolução ter sido tomada por uma quadrilha de pilhadores que agora apela a você para fugir da lei. E é patético que você os defenda sob o argumento de que outros também pilharam.
Eles, seus líderes que imploram por seu grito contra o “golpe” (previsto na Constituição, a propósito, e aplicado a Collor com justiça e com seu grito), pilharam não só o país. Pilharam sua esperança, seu desejo por revolução.
Eles enganaram você, não a mim. A mim não iludiram, pois faz trinta anos que eu, comunista de carteirinha então, me perguntei: porque um muro (de Berlim) impede quem vive no “paraíso” de ingressar no “inferno” e não o contrário, como meus líderes pregavam?
Eu não gosto de quem vai substituir a mandatária eleita por você se a vontade da imensa maioria prevalecer e esse governo cair no mês que vem. Detesto igualmente ativismo judiciário. Não gosto de perseguição a maiorias ou minorias. Sou, há pelo menos trinta anos, um defensor intransigente das liberdades, todas elas, incluindo as sexuais e de expressão, que só existem, veja só, em países de livre mercado.
Eu compreendo seu imenso ressentimento e seu desprezo a quem produz, seu gosto pela revolução. Mas não me venha falar em “golpe”, pois quem votou em Michel Temer, referendando a lei vigente de uma democracia, foi você, eu não. E a prova de que nosso Judiciário é tão inativo é que teremos ele como presidente e não uma nova eleição, pois o TSE demora a cassar a chapa inteira e chamar todos a decidir no voto. É a lei. A revolução é outra coisa. Eu já a quis. Não a quero, pois ela consegue ser ainda pior do que pagar mais pela gasolina ou pela passagem de ônibus para repor o muito que foi pilhado em nome dela, ou melhor, em nome do enriquecimento pessoal tanto de quem você ama quanto de quem você achava que detestava.