Após grande decepção com minha primeira graduação e uma quantidade enorme de oportunidades profissionais frustradas resolvi, aos 27 anos, voltar a universidade e cursar um novo curso, sem qualquer relação com a minha primeira graduação (Direito). Tendo em vista o curso escolhido (Geofísica) ser restrito a universidades estatais, não tive escolha senão entrar na USP para minha nova empreitada. Não tinha ideia do que me esperava.
A faculdade privada que cursei, a PUC, mesmo com seu histórico de esquerda e sua estética nível FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP), no geral, funcionava bem com raras exceções. O corpo estudantil era bem dividido entre apolíticos, esquerdistas radicais que vivem em Nárnia e conservadores/liberais. Não havia uma tendência nítida para nenhuma direção politica. E a esquerda raramente tentava atrapalhar o funcionamento da faculdade.
Na USP, o inverso impera. É visível a predominância dos grupos de esquerda que fazem DE TUDO para que a faculdade não funcione adequadamente.
Já são TRÊS greves de funcionários apoiadas pelos estudantes desde que entrei na faculdade e as pautas sempre são as mesmas: reajuste do salário dos funcionários, cotas, mais ajuda de custeio da faculdade para os alunos e, eventualmente, alguns delírios esquerdistas (o desse ano é mais verba para a educação, como se houvesse verba para qualquer coisa), mesmo com os empregados da USP recebendo muitas vezes o TRIPLO de salário em comparação com funções análogas na iniciativa privada e, mais importante, com a economia brasileira absolutamente quebrada.
Em nome dessas pautas, que inevitavelmente levam à um maior custo para os pagadores de impostos, os funcionários paralisam serviços essenciais aos alunos (como o restaurante universitário, vulgo “bandeijão”) e bloqueiam a entrada dos portões da universidade, interrompendo a produção cientifica e prejudicando seriamente os alunos.
Mesmo assim, do ponto de vista jurídico, é prevista a possibilidade da greve de funcionários. Muitas vezes a greve é abusiva e transcende a lei, mas a leniência de nosso ordenamento jurídico com a greve dos trabalhadores não é o tópico a ser abordado aqui. O tópico a ser abordado e o que me chocou de fato na USP é um aborto da natureza chamado “greve de estudantes”.
Professor da USP tenta colocar carteiras no seu devido lugar e é impedido e hostilizado pela esquerda
Greve de estudantes é algo que sempre achei que não passava de uma brincadeira. Nunca fez sentido na minha cabeça porque um aluno iria conscientemente deixar de ir à aula como forma de protesto. O único prejudicado com a paralisação de aulas é o aluno em si, é sua formação que corre o risco de ser atrasada, é ele que corre o risco de ter de assistir aulas em meses de férias e é ele que pode ser eventualmente reprovado por faltas em uma matéria com um professor mais antipático à causa.
No entanto, acharia razoável se espontaneamente os alunos que abraçam uma causa deixassem de frequentar as aulas. Mas o problema é mais embaixo. Quando a greve é decidida pela esquerda não importa se há alunos que não concordam com a causa e queiram assistir aulas, TODOS , inexoravelmente, são constrangidos por obstruções físicas, sonoras e atos hostis a deixarem as aulas, incluindo impedir fisicamente os professores de frequentarem o seu principal local de trabalho, a sala de aula.
A maneira pela qual a esquerda decide a extirpação do direito alheio é curiosa. Primeiramente são marcadas assembleias para discussão das pautas. Nessas assembleias, com uma minoria do corpo estudantil (pela razão óbvia de que a maioria não tem tempo disponível fora do escopo do trabalho e/ou acadêmico) o discurso é praticamente unânime. Vozes contrárias são hostilizadas e, como o tempo de comunicação é igual para cada um que pede a fala, é nítido que o discurso predominante acaba sendo o que corrobora a opinião vigente da maioria. Após uma série de discussões é decidida uma paralisação. Nesse dia de paralisação é proibido ter aulas.
Essa proibição é imposta com batuques pelos corredores e constrangimento de alunos e professores. Nesse dia de paralisação é marcada a “assembleia para votação”. Desnecessário dizer que a postura hostil a ideias contrarias se repete nessa assembleia. No final de uma longa discussão é decidido pelos remanescentes, aquelas pessoas corajosas que aguentaram horas de picuinha e não tem absolutamente nada para fazer, o futuro do semestre para todos alunos. No Instituto de Física, onde também tenho aula e, portanto, sou interessado direto, com uma presença inicial da assembleia de 215 alunos, a greve acabou sendo decidida por 72 (setenta e dois) votos a favor e 40 votos contra. Ou seja, 12% de um total de 600 alunos de graduação decidiram que 100% dos alunos não poderão continuar o semestre.
Para interromper as aulas, a esquerda retira um numero considerável de carteiras da sala de aula, as empilha nos acessos aos prédios dos institutos, obstruindo o caminho e eventualmente danificando patrimônio pago pelos pagadores de impostos, e monta guarda para proteger a obstrução e hostilizar aqueles que eventualmente queiram simplesmente ter aulas. Necessário aqui enumerar os absurdos de tal situação:
1- Não há previsão jurídica para tal “greve de estudantes”. Tal ato não é amparado por qualquer documento legal e há nítida tipificação da obstrução por piquetes no artigo 146 do Código Penal (constrangimento ilegal) e destruição de patrimônio publico prevista no artigo 163 do mesmo código (dano qualificado).
2- Esse modelo de “democracia” adotado nas assembleias estudantis tem sérios problemas. O voto secreto surgiu para que ninguém fosse constrangido no ato do voto. Se há constrangimento das opiniões contrárias, é evidente que uma parcela dos alunos fica constrangida de ser contra a greve. O mínimo que podia ser esperado de uma votação com assunto tão sério seria voto secreto em urnas e controle dos votantes. Não há absolutamente controle nenhum dos participantes da assembleia. É impossível saber se os presentes são alunos dos institutos ou interessados diretos, como eu.
3- Não faz sentido votar a anulação de direito básico alheio. Por exemplo, não importa que decidam democraticamente a morte de outro cidadão. Tal ato ainda seria ilegítimo e imoral. Uma maioria não torna ético um ato por meio da democracia. No caso dos estudantes, é nítido que o direito básico é ter aulas. Ainda que uma maioria absoluta decidisse que o instituto não teria aulas, ainda seria ilegítimo e imoral impedir que a minoria exercesse seu direito básico.
4- Não há qualquer eficácia das greves dos alunos para atingir as pautas exigidas.
Em resumo: é curioso com a esquerda se diz a defensora “das minorias”, mas é a primeira a passar por cima dos direitos de uma minoria quando convém à pauta política da esquerda.