Quando se pensa em produtos de origem animal, não é difícil que a maioria das pessoas logo conclua que devem ser fiscalizados e controlados. Para tanto, concordam que o estado institua determinadas regulamentações, portarias e especificações em todas as etapas de produção dos referidos produtos.
A fim de fazer valer tais regulamentações, o estado institui ministérios, secretarias e departamentos para realizar fiscalizações. Aquele que quer investir no setor precisa, portanto, de um jurídico forte, contratando grandes advogados e contadores a fim de viabilizar seu empreendimento.
Como resultado, apenas grandes empresas, com muito dinheiro, donas de várias marcas, conseguem investir no setor devido ao peso das regulamentações, isso sem mencionar os demais encargos suportados prelo empreendedor brasileiro (trabalhistas e tributários, por exemplo). Nesse cenário, evidentemente, o consumidor NÃO terá à sua disposição uma vasta gama de fornecedores, podendo optar apenas entre os produtos de alguns conglomerados, inexistindo, pois, concorrência efetiva no setor. Em troca, o estado “assume” o controle de qualidade dos produtos, instituindo regulamentações e gerando um círculo vicioso em detrimento do consumidor.
Indo adiante, vamos pensar com um pouco de malícia. Vamos imaginar que os conglomerados que mencionamos resolvessem manipular os órgãos fiscalizadores do estado pagando propina aos fiscais, departamentos e secretarias que deveriam, supostamente, zelar pela qualidade dos alimentos. O consumidor, veja, já não terá a opção de ir à concorrência em busca de qualidade superior, pois o estado a eliminou em troca de agir como um “agente garantidor da qualidade”. Na ausência de um livre mercado – e, portanto, de concorrência – o consumidor será obrigado a levar para casa um produto de péssima qualidade por não ter livre escolha entre outros fornecedores.
Não é por acaso que foi o que ocorreu – mais uma vez – aqui no Brasil. Trata-se da Operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia Federal na data de hoje (17). As marcas mais famosas e presentes nas prateleiras de supermercados por todo o País estavam vendendo produtos vencidos. Isso mesmo: estragados, podres. Para mascarar o odor de podridão, jogavam aditivos químicos – cancerígenos – e vendiam como carne fresca. Não bastasse isso, ainda inseriam papelão nos lotes de frango e cabeça de porco nos lotes de linguiça.
Impossível dissociar tal episódio do esquema do leite adulterado, a operação Leite Compensado, que investigava um esquema descoberto inicialmente em 2007, mas que até hoje continua a ser praticado.
Você deve imaginar como um absurdo desses pode ocorrer. É que aquele órgão estatal que deveria fiscalizar – já que o próprio consumidor não tem a liberdade de optar – estava também corrompido, trazendo à tona aquela velha questão: quem vigia os vigilantes?
Pior ainda, a fraude só veio à tona porque um dos fiscais resolveu jogar o esquema no ventilador. O motivo não foi exatamente a solidariedade aos consumidores lesados: o fiscal havia denunciado sua superior, a chefe do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa), Maria do Rocio Nascimento, ao sindicato por assédio moral. Em retaliação, foi determinada sua transferência para outra cidade. Ou seja, mais um exemplo do brilhantismo da eficiência estatal. Não bastasse isso, o fiscal se queixou, ainda de remoções de funcionários feitas para atender aos interesses das empresas.
O resultado prático é que, ao remover o “controle de qualidade” dos consumidores mediante a destruição da concorrência, bem como ao deixar a fiscalização nas mãos do estado, este logo foi aparelhado para satisfazer não as necessidades de pagadores de impostos, mas sim dos corporativistas, aqueles que amam o monopólio / oligopólio às custas do parasitismo estatal e detestam a livre concorrência.
Prova disso é que dentre os envolvidos estão grandes financiadores de campanhas políticas: somente nas eleições de 2014, a JBS doou R$ 366,8 milhões às campanhas eleitorais de diversos políticos, incluindo Dilma e Aécio, nada mais nada menos que 39,5% de todo o lucro que obteve em 2013, se tornando a maior doadora eleitoral daquela eleição. Dos 513 deputados federais no Congresso, 162 deles receberam doações da JBS, que doou para a cúpula de 21 dos 28 partidos que representados na Câmara.
Um socialista logo diria que tamanho descaso com a saúde do consumidor seria obra do “capitalismo malvadão”, ignorando a conduta decisiva do estado para que o esquema funcionasse. Um defensor do livre mercado, por outro lado, logo percebe que tamanha má-fé se deve à certeza de que não haverá prejuízo nas vendas simplesmente porque o consumidor mal tem para onde correr se quiser consumir o produto de outro produtor.
Numa economia realmente livre, vender um produto podre é um suicídio que leva a empresa à falência. Mas, no Brasil, os burocratas precisam – e muito – dos corporativistas, então tenha certeza que nenhuma dessas empresas irá falir. Não à toa, segundo o delegado de Polícia Federal, Maurício Moscardi Grillo, dois partidos – PP e PMDB – receberam parte dos valores pagos a título de propina. Nunca a frase “comerão as migalhas que caírem de nossa mesa”, de Lênin, fez tanto sentido.
Cabe lembrar que a JBS em si é praticamente uma criação do estado brasileiro: foram R$ 12,8 bilhões dos pagadores de impostos brasileiros para financiar a expansão do grupo, especialmente durante o governo Lula (PT). O presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar, chegou a questionar “por que jogar tanto dinheiro numa só empresa? Não há somente ela no mercado!”. Fora isso, o governo brasileiro tem 26,33% da empresa: são 21,52% das ações nas mãos do BNDESPar e 4,92% controlados pela Caixa Econômica Federal. Maior corporativismo do que esse, impossível.
Em tempos de canibalismo político, a carne é fraca, mas o estado é forte e a indigestão é sua.