Parte dos deputados deve seu mandato às opções ideológicas de seus eleitores. O eleitor que leva em consideração a posição política no momento de escolher seu candidato a deputado federal existe e consegue formar bancadas. A bancada do PSOL, por exemplo, deve a maior parte de sua composição a votos de eleitores de esquerda.
Além do respeito à ideologia de seus eleitores, deputados do PSOL, do PT, do PC do B, do DEM e do PSDB devem lealdade a seus partidos, que mal ou bem são partidos de verdade. Mas essas bancadas somadas têm 153 deputados, menos de 30% do total da Casa. E nem todos esses 153 tiveram votos ideológicos na origem de seus mandatos.
Ou seja, 70% dos deputados pertencem a bancadas sem o mínimo de identidade ideológica. Ou você acha que algum eleitor de um deputado do PR, por exemplo, leu os princípios declarados do partido antes de votar? Também não dá para confiar nas bancadas por afinidade. Há deputados da bancada ruralista de braços com o MST na defesa do indefensável a essas alturas, por exemplo.
Esses 70% votarão a favor ou contra o impeachment por quanto dinheiro haverá na próxima eleição para investir em marketing e na negociação, quase sempre venal, com vereadores, prefeitos e outras lideranças locais. Se houver livre acesso às verbas e cargos do governo federal, a vida lhes será facilitada. Dificilmente levarão em consideração a memória do eleitor, os placares e as campanhas para boicotar quem for contra a opinião amplamente majoritária dos eleitores a favor do impeachment.
Mas isso tudo não é uma má notícia. Pense na Argentina. Lá os partidos são mais tradicionais e monopolizam a formação das bancadas. Com exceção da última eleição, em 2015, as opções dos argentinos, mais ideológicas do que as nossas, mostraram-se desastrosas. Outro exemplo foi a Grécia, em que as ideologias predominaram sobre o varejão eleitoral. Exemplos a se evitar.
Os 70% dos deputados que podem votar contra ou a favor do impeachment sem se preocupar com punição de seus partidos ou de seus eleitores decidirão movidos pelo autointeresse.
Haverá entre eles os que votarão contra o impeachment por duas vantagens básicas: podem vender mais caro o apoio a um governo fraco e recebem os benefícios no imediato. O futuro, afinal, é incerto. Sem contar que os governos Lula-Dilma têm se revelado pródigos na distribuição a políticos da “base” do dinheiro que arrecadam dos pagadores de impostos, vide Mensalão e Petrolão. Vender lealdade a um governo mão aberta parece um bom negócio. Adicionalmente, em caso de derrota da causa, o novo governo também precisará deles e tenderá a perdoá-los por um voto minoritário e, no fim das contas, inócuo.
Haverá também os que pensam como investidores, de olho em 2018, que é a data realmente importante (ou mesmo em 2016, dado que alguns serão candidatos a prefeito). Votar a favor do impeachment é garantir um lugar no coração do novo presidente, que fatalmente fará um bom governo, dado que qualquer um faria um governo melhor do que o atual. Há também um ganho de honra (“a opinião dos outros sobre você”, na definição de Schopenhauer), que, se não servirá muito para conquistar votos de eleitores, ajudará na convivência com pares e lideranças.
O cálculo mais importante diz respeito às chances de ganhar mais por quanto tempo. É o mesmo cálculo que, na Bovespa, valoriza mais a ação de uma empresa com futuro promissor do que outra que apresentou forte lucro por receitas não recorrentes, mas está mal nos fundamentos. A essa altura está claro que a sobrevida do governo Dilma será curta. A reversão de expectativas disparará todos os gatilhos inflacionários e o caos econômico acionará os gatilhos políticos (ou judiciais).
Há também o fator risco. O esquema de distribuição de cargos com amplo acesso à roubalheira está muito manjado. A PF, o MPF e a Lava Jato já descobriram como funciona e aperfeiçoaram seus métodos de detecção. Ocupar cargos numa eventual continuidade do governo Dilma aumenta a chance de ser pego com a mão na propina e ser preso. Como já prenderam até mesmo o ex-líder do governo no Senado, o deputado do baixo clero passa a calcular tal risco como provável e não apenas remotamente possível. Está claro que o poder de Lula-Dilma de travar o trabalho das instituições corretivas é limitado.
Nesta semana decisiva, o quadro é claro: governantes desesperados, mas ainda donos formais de um orçamento bilionário, estão dispostos a pagar prêmios altos por um voto que não custa nada ou quase nada para a maioria dos deputados.
É óbvio, porém, que uma forte mobilização popular pelo impeachment pode assustar os mais suscetíveis à questão da honra ou os mais calculistas quanto ao futuro que realmente importa a eles: as próximas eleições. Ainda que o eleitor brasileiro seja quase uma abstração quando se trata de eleições proporcionais, ser xingado em saguões de aeroportos parece muito desagradável.
É igualmente óbvio que uma conversa de pé de orelha com Romero Jucá pode ser ainda mais decisiva para convencer os indecisos.
Deputados movidos por autointeresse não chegaram ao mandato apostando nas boas intenções dos eleitores. Chegaram lá se espelhando em casos de longa trajetória como Romero Jucá e Michel Temer. Se seguirem pensando assim, o impeachment passa com folga.
Se todo voto do eleitor fosse ideológico, o populismo da esquerda certamente teria pelo menos 1/3 dos deputados para barrar o impeachment e nos arrastar para o paraíso desejado pelo ressentimento esquerdista: destruir todas as bases da economia.