“Não quero ter razão, quero apenas ser feliz”, disse em voz alta o senhor com braço enfaixado, deitado na cama, lembrando do tombo que levou ao ter sua carteira furtada no centro da cidade. Ele procurou a polícia, mas como era “apenas uma carteira com pouco dinheiro” e o tempo de espera para o procedimento era alto, recomendaram fazer um “BO online”, pois não houve agressão física ou grave ameaça. Ele gostaria de ter ido ao banco de lata-velha, mas o carro está “apreendido” e só vão devolvê-lo se o IPVA, as duas multas por conduzir acima da velocidade de 40km/h e o custo do pátio forem pagos.
“Podia ter sido pior”, pensou enquanto esperava atendimento no pronto-socorro puído. Aguardou seis horas para ser atendido. A senhora gorda da triagem, que mal olhou no seu rosto, anotou os dados na ficha, mas acabou esquecendo de colocar a folha na caixinha do atendimento. Por sorte, a mocinha magra, que acabara de passar no concurso público, encontrou a guia perto das revistas de fofoca da supervisora. “Levanta o braço. Abaixa o braço, agora abre e fecha a mão…”, disse o médico antes de passar uma receita com analgésicos e anti-inflamatórios que estavam em falta na farmácia do hospital. “Volta semana que vêm, a gente vê se consegue agendar o raio-x, se não parar de doer.”
Mas dói, dói bastante. E não é apenas o braço, é alguma coisa dentro do peito, que faz as costas arquearem, principalmente quando ele tenta olhar para frente. Seria bom dormir agora porque “ficar com a cabeça cheia de ideias não leva a lugar nenhum, não é mesmo?”. Ficaria mais fácil pegar no sono se o vizinho desligasse o “batidão”, que toca no último volume, mas é melhor ignorar, “não ligar”. Na última vez que ele reclamou das latas de cerveja, bitucas de cigarro, pinos de plástico e da camisinha que apareceu no seu quintal, voltou para casa com o olho roxo.
Em breve chegará o primeiro domingo de outubro e ele irá acordar bem cedo para evitar a fila da seção eleitoral. Nem mesmo depois de meio século, ele deixaria de exerceu seu “direito” de votar antes do meio-dia. Quem sabe não é dessa vez que um “político honesto” ajuda a melhorar as coisas, não é mesmo?