O PT aparenta buscar alternativas para que o ex-presidente Lula consiga se esquivar das investigações ou, pelo menos, tirar um eventual processo das mãos do juiz Sergio Moro, o qual acusam de promover uma perseguição ao partido e ao seu líder. A mais recente dessas estratégias é a articulação para que Lula assuma um ministério no já enfraquecido governo Dilma Rousseff. Com isso, Lula seria beneficiado pelo chamado foro privilegiado e não mais poderia ser julgado por Moro, apenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O Planalto envia sinal claro para a sociedade: utilizarão todo o aparato do estado para blindar Lula. O que o leitor possivelmente não sabe é que a nomeação de Lula pode representar uma violação da “Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção”, da qual o Brasil é signatário.
A Convenção da ONU Contra a Corrupção é um símbolo, perante a comunidade internacional, da intenção de um estado em combater as práticas de corrupção. Tem como finalidade promover e fortalecer medidas eficazes de prevenção e de combate à corrupção, estabelecendo regras gerais e princípios que os estados membros devem observar.
Segunda a própria Controladoria-Geral da União (CGU), a Convenção da ONU “é o mais abrangente tratado internacional sobre prevenção e combate à corrupção. Ela é o maior instrumento internacional juridicamente vinculante, ou seja, que obriga os estados partes que a ratificaram a cumprir os seus dispositivos, sob pena de serem pressionados pela comunidade internacional. Pelo seu caráter global, a Convenção demonstra a preocupação de todos com o problema da corrupção.”
Dilma está em vias de declarar publicamente que o governo brasileiro não defende os princípios de combate à corrupção, exatamente o contrário do que pretende a Convenção, ironicamente promulgada pelo então presidente Lula no Decreto n.º 5.687 de 31 de janeiro de 2006. Lula é acusado de obter vantagens financeiras ilícitas e indevidas, estando em curso uma investigação pelo Ministério Público Federal, além de denúncia-crime pelo Ministério Público Estadual de São Paulo (MP-SP).
Nesse contexto, a Convenção da ONU diz que a aplicação de prerrogativas jurisdicionais de funcionários, como o foro privilegiado de ministros de estado, deve ser sopesada com a possibilidade de se proceder à investigação efetiva e a sentença apropriada. Em seu Artigo 30, inciso 2º a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção estabelece que
“Cada estado parte adotará as medidas que sejam necessárias para estabelecer ou manter, em conformidade com seu ordenamento jurídico e seus princípios constitucionais, um equilíbrio apropriado entre quaisquer imunidades ou prerrogativas jurisdicionais outorgadas a seus funcionários públicos para o cumprimento de suas funções e a possibilidade, se necessário, de proceder efetivamente à investigação, ao indiciamento e à sentença dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção”.
A princípio, nada na Convenção impede que determinados cargos de governo tenham acesso a prerrogativas jurisdicionais, como aquelas concedidas aos ministros de estado. No entanto, o uso dessas prerrogativas deve ter como papel proteger o cargo e as funções de estado, mas nunca o indivíduo que eventualmente as exerça. A nomeação de um ministro de estado com a principal finalidade de conceder acesso a foro privilegiado é justamente o tipo de conduta que a Convenção da ONU tenta coibir.
Considerando que o art. 30, inciso 2º da Convenção determina que o estado parte deve adotar medidas para assegurar um equilíbrio entre prerrogativas jurisdicionais outorgadas a funcionários públicos e a possibilidade de se proceder ao indiciamento, investigação e sentença dos delitos, a eventual nomeação de Lula violaria frontalmente a Convenção. Ao passo que, ao conceder privilégios em decorrência da mudança de foro, a nomeação funcionaria como um freio à investigação atualmente conduzida em Curitiba e São Paulo, ao mesmo tempo violaria o princípio do juiz natural da causa, ao possibilitar ao acusado eleger sua jurisdição.
Não obstante, ressalta-se que todo ato administrativo, aí incluída a nomeação de um ministro de estado, deve ser pautada pelos princípios que regem esta área do direito, principalmente a moralidade e eficiência (Art. 37 da Constituição Federal).
Neste sentido, ainda que o cargo de ministro de estado seja um cargo de confiança, a nomeação afrontaria o princípio da eficiência, uma vez que a presidente ofereceu a Lula a escolha de qualquer ministério, não necessariamente levando em conta a adequação das qualidades do candidato ao cargo, além de tratar-se de conduta moralmente reprovável.
Ao utilizar-se da nomeação para cargo de ministro de estado para deliberadamente eleger foro específico, o ex-presidente Lula e Dilma afrontam não apenas os princípios constitucionais da moralidade e eficiência, alterando o juiz natural da causa, como declaram de peito aberto perante a comunidade internacional não ser intenção do governo brasileiro respeitar os preceitos internacionais de combate à corrupção, dos quais somos signatários. A cada medida do governo com o objetivo de utilizar a máquina pública para favorecer um indivíduo e interferir no combate à corrupção, o Brasil dá um passo em direção ao autoritarismo estatal do qual os brasileiros gostariam de se ver livres.