Qual não foi minha surpresa ao abrir o Instagram e deparar com a divulgação do mais recente desfile da Chanel em Havana? Surpresa nenhuma… Não é de hoje que o mundo da moda gira em torno de símbolos e de seus diversos significados no imaginário coletivo. Sempre foi assim, desde que o mundo é mundo, e, em especial, desde que o mercado capitalista da moda passou a existir. Quando se trata da ilha prisão queridinha da esquerda caviar, aí é que a insana idolatria a símbolos encontra seu par perfeito dentro do padrão estético de estilo, elegância, cultura e valores morais a ser comercializado a uma leva de consumidores ao redor do mundo.
Não há mal nenhum no mercado da moda. A moda torna o mundo mais harmônico e bonito, na minha singela opinião, pois transforma tudo e afeta a todos, comunicando valores através da estética, sejam eles rasos e efêmeros, ou complexos e revolucionários.
O que incomoda é a hipocrisia do discurso que ronda as grandes indústrias da moda e, consequentemente, seu público. O marxismo oldschool (hoje temos o marxismo Ri Happy) chamava de “fetichismo da mercadoria” esse fenômeno de comercialização de tudo e qualquer coisa através das grandes indústrias. Não é irônico que o furor “revolucionário”, surgido no âmago das revoluções industriais a fim de combate-las e subverter o status quo, tenha se transformado justamente num produto dessas mesmas indústrias? Irônico e batido, sabemos, tanto quanto sabem também os publicitários que fizeram com que Che Guevara e seu Rolex servissem a uma campanha para a famosa marca de relógios de luxo. Hipocrisia também é a cara da esquerda caviar brasileira, que entra em êxtase com apartamentos de luxo em Paris, iPhones e desfiles de marcas de luxo em Havana.
Esquerda caviar que compra a ideia de que o regime castrista fez de Cuba um paraíso na terra com seus automóveis antigos e edificações paradas no tempo, enquanto estão pouco se lixando para as mazelas da recente história da Revolução Cubana. Afinal, trata-se de uma sociedade às margens do cruel capitalismo… Sucesso garantido! Basta esconder o lado feio da história. Pronto. Aplaudem a boina de guerrilheiro revolucionário utilizada nos desfiles da Chanel e ignoram solenemente todas as vítimas assassinadas pelo detentor do ímpeto psicótico que fez a fama dessa boina, que agora volta a ser um ícone da moda.
A realidade atual da era da informação não admite que haja margem para cinismos, hipocrisias ou a velha desculpa da ignorância. Todos temos acesso a informações, desde as desnecessárias que nos bombardeiam cotidianamente até as mais variadas teses e pesquisas científicas, benefícios estes conquistadas pelo capitalismo. Não há mais desculpa para ser um ignorante, a não ser que você viva na Coréia do Norte, Venezuela ou na própria Cuba, locais onde o governo controla o acesso da população à Internet. Logo, o que faz alguém venerar uma famosa modelo usando a boina do Che Guevara como se isso fosse o suprassumo da moda cult?
Conhecer a vida e a obra de Gabrielle “Coco” Chanel, e verificar que existem fortes indícios de ligação entre sua fundadora e o regime nacional-socialista de Hitler (vulgo nazista), para o qual ela contribuiu, é apenas mais um dos detalhes ocultos dos bastidores da história. Alguns estudiosos, como o jornalista investigativo e biógrafo Hal Vaughan, sugerem que a famosa estilista, além de ser uma irremediável antissemita, chegou a atuar como espiã de Hitler, fornecendo informações privilegiadas de autoridades das nações aliadas ao eixo nazifascista, o que favoreceu, e muito, a consolidação da sua marca.
Chanel deixou um legado bem maior do que aparenta a seu herdeiro, Karl Lagerfeld. Diretor criativo da marca, ele é igualmente um entusiasta de movimentos sociais, ainda que sejam aqueles vistos superficialmente como opostos à ideologia nazifascista. O engajamento de Karl Lagerfeld em algumas causas tem sido notório pelo que se denota a partir de algumas das suas coleções. Fica o questionamento se há intenção real de contribuir de alguma forma para essas causas ou se ele apenas surfa na onda da moda, a qual reflete e leva consigo os principais acontecimentos do mundo. A tendência é concordar mais com a última hipótese, mesmo que as aparências levem todos a imaginar que se trata da primeira hipótese.
Independente de intenções, Chanel é uma locomotiva dessa indústria. Ela não apenas move o mercado da moda como cria muitos dos valores que serão consumidos nesse mercado. Torcemos para que ao menos uma ínfima parte do dinheiro movimentado por essa indústria com o recente “oba-oba” em torno da ilha cubana e todo esse fetiche quanto ao significado da existência do regime castrista sirva à população cubana. Infelizmente, é mais provável que apenas integrantes da família Castro ou pessoas que pertencem ao alto escalão do governo dos ditadores cubanos possam usufruir desse dinheiro.
Com o contínuo processo de abertura econômica da ilha, uma fresta de capitalismo renasce oficialmente junto com a esperança de que a população possa ter mais acesso aos benefícios que apenas o mercado capitalista proporciona. E não apenas a bens materiais, já que a história mostra reiteradas vezes, desde a revolução jacobina do séc. XVIII, que impor uma revolução com mudança no status quo de uma sociedade mediante o uso da força e da violência é seguir rumo ao caos despropositado e à injustiça, que se refletem não apenas na seletiva produção e distribuição de bens materiais, como também no forte cerceamento das liberdades individuais.
A abertura de Cuba para o capitalismo é mais uma demonstração, desde a derrubada do muro de Berlim e posterior queda da URSS, de que regimes totalitários apenas levam à miséria. O problema é o mundo ignorar todos os crimes ali cometidos pelo governo contra seu próprio povo e permitir que esse mesmo governo siga intermediando as relações do mercado com a população. Mas parece que Karl Lagerlfed e seu público não ligam muito. Pelo visto, não era apenas Chanel que curtia um nacional-socialismo.
Co-autora: Vanessa Rodrigues