O atual cenário político-econômico do Brasil é – em verdade – extremamente desfavorável e desolador. Uma rápida olhada nas contas públicas mostra que os gastos públicos não param de crescer desde 1980 – época da redemocratização – e o governo urge com a necessidade de fazer ajustes necessários ou fechar o ano com mais um rombo assustador. A lista de reformas a ser feitas é longa, o que gera a impressão de que este país, no final das contas, não tem como dar certo. Afinal, o que fazer quando tudo está errado?
A verdade é que é hábito contínuo de nossas políticas atacarem sempre os sintomas do problema e nunca suas causas. Pior ainda, como demonstrou Bruno Garschagen em seu livro ‘Pare de Acreditar no Governo’, o Brasil tem um péssimo caso de amor mal resolvido com o estado, pois em geral, o brasileiro detesta políticos, mas ama o governo. Com isso, o remédio geralmente aplicado aos sintomas identificados é a intervenção estatal. No final das contas, quando esta intervenção produz resultados indesejados, é necessária uma nova rodada de políticas que causarão distorções ainda maiores que as anteriores.
Um grande exemplo deste péssimo hábito (cultural ou institucional, ainda estou tentando decidir) é a polêmica que surge com relação ao financiamento privado de campanhas políticas. O sintoma identificado é o seguinte: empresas investem em políticos, através das doações de campanhas generosas, para que estes aprovem privilégios estatais – acesso a crédito fácil, proteção jurídica e entre outros. Qual então é a solução para o problema identificado? Mais intervenção. Surge então a ideia de fazer com que o financiamento privado seja limitado ou completamente restringido pela lei. Neste ordenamento, os partidos deverão contar apenas com o financiamento público e nada além disso.
O argumento principal é o de que permitir o financiamento privado torna a democracia um alvo de mercadoria dos empresários que só pensam em seu próprio lucro e nunca no bem comum. As instituições democráticas, dizem, possuem a finalidade da Res Publica, ou seja, devem ser guiadas pelo espírito do bem coletivo, jamais pautando interesses individuais ou princípios de mercado.
O que este argumento desconsidera é que interesses coletivos dificilmente existem em harmonia, aliás, a própria noção de coletividade não existe como um ente real. Coletivos são apenas um determinado número de pessoas individualmente consideradas, e são estes indivíduos que promovem as verdadeiras mudanças e causam os impactos sociais que podemos ver no quadro maior. Não dá para argumentar, por exemplo, que é do meu interesse coletivo financiar partidos nazistas ou comunistas, pelo bem da democracia.
O que está em discussão realmente não é se a reforma política deve ou não proibir o financiamento privado, mas sim por que empresários têm esse incentivo no ordenamento brasileiro para preferirem investir em políticos do que em melhores processos produtivos. A verdade é que instituições, em geral, da forma como elas estão organizadas, podem incentivar indivíduos a adotarem uma linha de comportamento positiva ou negativa. Boas instituições incentivarão pessoas a cooperarem umas com as outras, buscarem maneiras mais eficientes de trabalhar ou até mesmo a inventarem novas tecnologias. Por outro lado, instituições ruins produzirão justamente o efeito contrário, incentivando o mau comportamento, fazendo com que pessoas possam preferir matar seus desafetos ou até mesmo a perderem tempo enquanto procrastinam e fingem trabalhar.
A vida para o empresário brasileiro não é fácil, não é à toa que muitos jovens brasileiros prefiram a carreira no setor público do que no setor privado, pois em geral o primeiro oferece bons salários e concede uma boa estabilidade ao profissional. A proposta oferecida pela iniciativa privada é o de um caminho instável, com salários correspondentes à sua produção ou trabalho e com muitas surpresas no caminho – a cultura do funcionalismo acaba matando o empreendedorismo.
Mas não apenas isso: os dados mais recentes mostram que o Brasil está longe de oferecer um ambiente legal estável e transparente, o que afeta diretamente o crescimento e o investimento das empresas no setor privado. O sistema judicial brasileiro está congestionado, pois é preciso gastar muito tempo e lidar com muita burocracia para conseguir resolver qualquer conflito comercial na justiça. No ranking Doing Business, o Brasil aparece em posições bastante desfavoráveis no que diz respeito ao cumprimento de contratos pela via judicial.
Essa lentidão sistemática faz com que surjam maiores incentivos para que empresas não cumpram os acordos estipulados em seus contratos, o que gera um ambiente ainda mais desfavorável e hostil ao empreendedorismo. Como consequência muitas empresas podem optar por dois caminhos: ou selecionam com mais cuidado seus parceiros, sempre dando preferência aos mesmos com quem eles trabalharam anteriormente, ou tentam se tornar autossuficientes em suas etapas produtivas para não terem que contar tanto com a colaboração de outros indivíduos.
Em ambos os casos o resultado é o mesmo: perda da produtividade e menor geração de riqueza e empregos. Uma empresa não pode ser boa em tudo, como bem demonstram os conceitos de divisão de trabalho e vantagens comparativas. Porém, o fato de ter que selecionar com mais cuidado seus parceiros e potenciais clientes, além de aumentar os custos administrativos das empresas que passam a pagar profissionais especializados em selecionar os indivíduos confiáveis, faz com que o mercado se torne mais fechado a entrada de novos atores, pois estes encontrarão sérias dificuldades para se estabelecerem como marca confiável.
A burocracia excessiva e os altos custos exigidos para cumprir qualquer procedimento legal, formam uma importante barreira para o registro e o desenvolvimento de qualquer empresa. Além disso, a regulação trabalhista cria altos custos para as empresas formais, pensando nisso, muitos empreendedores acabam optando por manter suas empresas na informalidade, a fim de não registrarem seus funcionários. A empresa não cresce e permanece na “ilegalidade”, fazendo com que muitos empregos e riquezas deixem de ser gerados. No final das contas quem “paga o pato” é a população menos economicamente favorecida – que são justamente as pessoas que os justiceiros sociais afirmam proteger.
A incerteza jurídica e a fragilidade dos direitos de propriedade prejudicam enormemente o crescimento brasileiro, mas o fato de sermos um país relativamente fechado ao comércio internacional, também tem sua parcela de culpa nisso. Aqueles que são prejudicados pelos malefícios causados pela legislação vigente, ao invés de brigarem por um ambiente juridicamente seguro ou por reformas tributárias essenciais, preferem disputar privilégios estatais. Afinal, é mais fácil brigar com a concorrência ou atrapalhar o desenvolvimento dela?
Uma maior abertura comercial poderia proporcionar as empresas um acesso mais fácil à melhores tecnologias e insumos, além de favorecer as exportações. Além disso, com o aumento da competição – dado a entrada de atores internacionais no cenário brasileiro – as empresas seriam incentivadas a buscar processos produtivos mais eficientes a fim de tornarem seus produtos melhores ou mais baratos. Infelizmente, tendo que lidar com a legislação trabalhista, com os altos encargos tributários e com a insegurança jurídica, muitos indivíduos, por serem incapazes de enxergarem que o mal que eles sentem vem justamente das causas anteriormente citadas, acabam enxergando o mercado externo (mais eficiente e produtivo) como uma verdadeira ameaça aos seus negócios. Não é a toa que os taxistas se ressentem do Uber que “não tem que pagar impostos” e, portanto, constitui “concorrência desleal”.
Todo esse cenário político-jurídico-econômico faz com que muitos empresários prefiram investir em políticos do que em produtividade. É muito melhor (e mais fácil) buscar privilégios estatais do que tentar derrubá-los. Embora a melhor solução seja desburocratizar a máquina pública, modernizar a legislação trabalhista e abrir o país ao comércio internacional, dificilmente ela será efetivada no país tão cedo. Porém, a solução de curto prazo não passa pela proibição do financiamento privado de campanha, mas sim pela proibição de que políticos possam aprovar projetos de lei ou políticas que resultem em benefícios diretos a determinadas empresas em detrimento das demais.
Afinal, como diz a velha máxima, você só pode barganhar aquilo que possui. Tire dos políticos o poder deles sobre a economia. E eles não terão mais o que trocar por votos.