Na Antiguidade, há registros de pequenas comunidades matriarcais na Indonésia e na China. Verdadeiras exceções à regra geral: homens no comando, mulheres mais ou menos submissas; o governo da tribo, da nação, do estado ou proto-estado era masculino.
Entre os ameríndios, todas as sociedades se apresentavam com predomínio de mando masculino: astecas, maias, incas, jês. Os tupis são talvez o caso mais radical já documentado de absoluto arbítrio dos homens sobre toda e qualquer relação de reciprocidade. A elas, os trabalhos mais duros, as tarefas mais pesadas. A eles, a escolha das parceiras com consentimento obrigatório, os privilégios, as decisões sobre toda e qualquer questão. Portugueses e franceses chegados ao litoral do Brasil no século XVI não fizeram haréns de mulheres tupis à força. Elas se encantaram com o olhar de admiração e respeito deles sobre elas, uma grata novidade.
Em todas as filosofias orientais, a mulher é colocada em posição subalterna. Via de regra, não há filósofas, não há pensadoras registradas. Chineses, japoneses, mongóis, védicos (indianos). Todos marcadamente patriarcais. O poder é masculino.
O Ocidente, se retroagirmos ao tempo em que foi escrito seu livro mais influente, o Evangelho (tema de minha última obra publicada), revela-se machista e misógino. Roma é uma exceção parcial. O campo de autonomia da mulher é maior, o respeito a ela também. Ainda assim, não houve uma única imperadora romana. Vale lembrar que tanto gregos quanto romanos eram majoritariamente bissexuais. Isso não os fazia menos machistas. Os judeus desse tempo são também patriarcais e pouco destaque ou espaço dão às mulheres em suas sociedades, apesar dos muitos casos de protagonismo feminino no Antigo Testamento.
Jesus Cristo foi uma surpresa. Não era misógino, tratava homens e mulheres de forma igualitária, salvava-as de pedradas e insultos. É uma novidade que, porém, não se impôs, não dobrou a cultura cristã nos primeiros séculos. Os machos fizeram nascer e se estabeleceram como força maior no cristianismo.
No século XIV, a Europa conhece suas primeiras potências comerciais, cidades-livres da Itália: Veneza, Gênova, Florença, Siena. Desta última, emerge Santa Catarina, destinada a ter poder pelo que escreve e por sua influência capital em Roma. A literatura do amor cortês, na porção laica do pensamento, ganha força nesse tempo, abrindo espaço não apenas para maior liberdade feminina como para governos de monarcas mulheres. Isabel de Castela no século XV, Isabel (Elizabeth) de Inglaterra cem anos depois, poder e glória femininos.
Estávamos longe ainda de algo que se possa parecer com igualdade entre gêneros. O Evangelho pouco inspira na prática nesse sentido. Os guerreiros, a cúpula do clero e os funcionários destacados do estado são todos ou quase todos homens.
Século XVIII. O liberalismo, nascido na Escolástica tardia espanhola, ganha força doutrinária com John Locke e Adam Smith, bem como o conservadorismo de viés liberal com Hannah More, talvez a primeira feminista esclarecida.
Não nos prendamos a nomes. Nos prendamos ao que importa: a economia. O vertiginoso aumento das trocas e a industrialização maciça não podiam prescindir da cooperação de todos. Era hora de empregar as mulheres e de tê-las também como consumidoras com poder de decisão.
Para o mercado, qualquer privilégio é contraproducente, o que inclui o privilégio de gênero. Por que só meia sociedade ativa? Por que não tratar elas como se trata eles, agentes econômicos de potência produtiva equivalente, no campo do trabalho duro e no campo do pensamento, em especial da escrita?
A plena igualdade só viria no século XX e em sociedades marcadas por princípios econômicos liberais. A utopia socialista, se prega formalmente a igualdade feminina, desmente-a na prática. À exceção de Rosa Luxemburgo, que não chega a exercer poder de fato, os guias, os pensadores, os líderes e os governantes de todos os regimes socialistas, dos primeiros aos últimos, sem exceção, foram e são homens. Jamais um país socialista foi governado por uma mulher.
É verdade que os Estados Unidos nunca tiveram uma presidente mulher (há grande chance de isso acontecer em breve), por fatores mais culturais do que religiosos e sem relação com ideologia política no sentido estrito. Vários outros países em que a propriedade privada é um princípio respeitado e há algum grau de liberdade econômica já o foram ou são governados por mulheres, inclusive por presidentes de preferências socialistas. Dilma Rousseff e Michele Bachellet gerem mal por suas ideologias, não por serem mulheres. Angela Merkel e Margaret Thatcher bem poderiam ter calhado a nós.
O liberalismo como escola de pensamento é neutro na questão de gênero. Não prega “temos de emancipar a mulher”. Não temos nada. Temos apenas que não distinguir por gênero, não distinguir por tom de pele, por etnia, por preferências sexuais. Não distinguir negativamente nem positivamente. Que cada um escolha seu caminho.
O Ocidente não inaugurou a opressão à mulher. O Ocidente inaugurou a igualdade entre mulheres e homens, igualdade de oportunidades e perante a lei, resguardadas as desigualdades biológicas evidentes. Há aqui e ali preconceitos, mas nenhum deles encontra bases no pensamento filosófico-político liberal.
Para o mercado, a mulher é igual ao homem como consumidora, como trabalhadora, como gestora, como investidora. Para o liberalismo, somos todos indivíduos e nos destacamos pela capacidade de trabalhar em equipe, de produzir e de conquistar nossas ambições pessoais, e não por nosso gênero, nosso sexo, nossa cor, nossa nacionalidade, nossas preferências artísticas ou sexuais.
Se outras ideologias se dizem feministas, o são da boca para fora. O liberalismo é o verdadeiro feminismo, se pudermos (e devemos) chamar feminismo o ideal de superar a terrível herança de predomínio masculino presente em praticamente todas as sociedades que nos precederam ou a nós se apresentam como alternativas. Apontem-me uma mulher em posição de comando na Coreia do Norte, em Cuba ou no Islã, e eu reformularei meu pensamento.