A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Crimes Cibernéticos, criada no meio do ano de 2015, tem como objetivo declarado “investigar a prática de crimes cibernéticos e seus efeitos deletérios perante a economia e a sociedade neste país”. As justificativas que os parlamentares estabeleceram foram:
(i) a Polícia Federal realizou em 2014 a operação IB2K para desarticular uma quadrilha suspeita de desviar pela Internet mais de R$ 2 milhões de correntistas de vários bancos, quadrilha esta que usava parte do dinheiro desviado para comprar armas e drogas;
(ii) o último relatório da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos aponta um crescimento, entre 2013 e 2014, de 192% nas denúncias envolvendo páginas na Internet suspeitas de tráfico de pessoas;
(iii) os gastos de US$ 15,3 bilhões com crimes cibernéticos no Brasil em 2010.
Presidida pela deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO) e com texto redigido pelos deputados Espiridião Amim (PP-SC), Sandro Alex (PSD-PR), Rafael Motta (PSB-RN), Daniel Coelho (PSDB-PE) e Rodrigo Martins (PSB-PI), a CPI teve seu relatório final publicado em 30 de março de 2016. Depois de diversas sessões financiadas com o seu dinheiro na forma de impostos, a proposta do relatório é apresentar projetos de lei que podem aumentar a censura e facilitar a vigilância estatal sobre os usuários da Internet, incluindo mudanças no Marco Civil. O Marco Civil, mesmo sem as mudanças provenientes desta CPI, deixou claro que suas regulações somadas a arbitrariedade pretensiosa de alguns juízes são responsáveis pelas recentes paralisações do serviço de mensagens instantâneas WhatsApp nesta semana e há cinco meses, além da redução dos limites de banda de tráfego de Internet quando associados a recente proposta da Agencia Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Como a política estatal é uma guerra sem fim e sem limites contra a liberdade individual, o relatório quer transformar em lei as seguintes propostas:
1. Censurar as mídias sociais para esconder atividades de políticos. Se alguém falar mal de um político usando uma mídia social, a empresa responsável pela mídia deverá remover o conteúdo em até 48 horas. Caso isto não aconteça, a empresa será “cúmplice” do manifestante, sendo obrigada a indenizar o político que se sentir ofendido. Ou seja: as mídias sociais se tornariam agentes de vigilância e censura permanentes dos seus usuários.
2. Usar 10% do Fistel para financiar a polícia. Parte da Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI) e a Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF), cobradas pela Anatel para fiscalizar a qualidade do acesso à Internet, a telefonia e outro serviços, seriam desviados da sua finalidade original para financiar a polícia. Já não pagamos impostos para isso?
3. Autorizar a Polícia Federal a investigar qualquer crime praticado usando um computador ou celular. Resumindo, baixe uma música pirata da internet e receba uma visita do japonês da federal. Se você escrever algo que o governo considerar “difamatório” ou “injurioso” sobre um político usando as mídias sociais, você terá que se explicar à Polícia Federal. Gostaria de saber como farão para vigiar ou prender os milhões de brasileiros que fazem essas atividades diariamente sob suspeita de terem cometido “crimes mediante uso de tecnologia” ou crimes sem vítima.
4. Obrigar provedores a identificar e divulgar instantaneamente quem usa cada endereço de IP na rede, informando à polícia o nome, filiação e endereço da pessoa, sem a necessidade de ordem judicial prévia. Isto quer dizer que todos seremos presumidamente “culpados” pelo fato de usar a Internet, sendo constantemente vigiados. Você falou mal de um político na Internet? Imediatamente será possível saber a sua identidade e Polícia Federal irá visitá-lo.
5. Prisão de dois anos para quem violar “termos de uso” de um site. Se você acessar um site ou aplicativo e desrespeitar qualquer cláusula daquele documento que todo mundo clica, mas pouca gente lê, se prepare para a cadeia por dois anos. Afinal, nossos presídios estão com espaço de sobra.
6. A censura declarada e descarada de quem usa a Internet. O projeto de lei altera o Marco Civil para permitir “determinar aos provedores de conexão o bloqueio ao acesso a aplicações de Internet por parte dos usuários” para “coibir serviços que sejam considerados ilegais”. Ou seja, qualquer site poderá ser sumariamente derrubado por qualquer motivo que seja considerado “ilegal”.
Caso estas propostas se transformem em lei, nos juntaremos a países como China, que fecha sites e contas em mídias sociais por violarem as “regras do ciberespaço”; Venezuela, que bloqueia periodicamente o Twitter, Facebook e outros aplicativos de mensagens como o Zello, bastante usado para convocar a população para as manifestações nas ruas; e Rússia, que desde 2014 exige que pessoas com mais de 3 mil seguidores a seguir as mesmas regras que obrigam as empresas que controlam as mídias sociais a sofrer bloqueios caso divulguem manifestações contra o governo.
Enquanto continuarmos a concordar com a intervenção do estado em nossas vidas, continuaremos escravos que acreditam que leis devem definir a abrangência da liberdade, quando é a liberdade que deve definir a abrangência das leis.