Comumente, diz-se que o brasileiro é medíocre, que não tem qualidades, que “não fede nem cheira”, que está no limbo entre o bom e o ruim, sendo sempre o que “não é bom o suficiente” para desempenhar as mais exigentes tarefas intelectuais, profissionais ou mesmo morais. Essa noção, advirto-lhe, leitor, está redondamente errada. Desde Ruy Barbosa até Oswaldo Cruz, o brasileiro é muito capaz, competente e até brilhante. Há algo de especial com este povo em superar as dificuldades, sejam elas naturais, como nossas doenças endêmicas; sejam elas impostas.
Temos uma burocracia interminável. E temos mesmo, não à toa. Nossos quilos de legislações, leis e cláusulas regulatórias e proibitivas nos remetem à época da colônia, na qual o comércio paralelo dos bens explorados por aqui era intenso, precisando o Império Português quase sufocar os colonos, de forma a impedir o tráfico e a evasão fiscal. Contudo, passados quase duzentos anos da independência, essa “burocracia portuguesa” perdura, literalmente ceifando a liberdade e colocando um cabresto nos cidadãos, destruindo-lhes a criatividade e limitando-lhe as capacidades.
Pergunta-se muito porque é tão complicado adentrar o ensino superior brasileiro na área de medicina. Vemos jovens ficarem cinco, seis anos em cursinhos para serem aprovados em alguma universidade. A resposta a esse enigma é mais clara do que se imagina: isso deve-se a nossa herança burocrática colossal, a qual, para funcionar, precisa de um aparelho de Estado igualmente grande. Explico.
“A respeito de tudo o que dizemos sobre ‘mérito’ em comparação com ‘sorte’, estamos geralmente muito mais dispostos a aceitar as desigualdades que resultam da sorte do que as que resultam claramente do mérito.” (Milton Friedman)
Imagine que tenhamos tantas leis, tantos direitos – que não passam de obrigações para com os outros – que seja, preciso que as pessoas, de alguma forma, se submetam às demandas governamentais mais absurdas, se não quiserem acabar criminalizadas, ou marginalizadas da sociedade. E, somado a isso, a ilusão do direito à educação pública, que “obriga” o Estado a prover educação gratuita aos cidadãos, provoca a segregação dos estudantes comuns nas áreas mais concorridas. Uma vez que nossas melhores universidades são públicas, não por demanda, não por pesquisa, mas sim, por imposição governamental, que faz nossos cofres injetarem, todos os anos, uma quantia inimaginável no caixa dessas mesmas universidades, fazendo-as terem recursos virtualmente ilimitados, faz com que nossas melhores mentes, naturalmente, procurem-nas, além, obviamente, pelo fato de não terem de pagar um carnê todo mês. Concomitantemente, as universidades particulares, que são, conforme indica pesquisa, a segunda opção dos estudantes, não vêem motivos em investir em pesquisa ou ensino, já que ficarão com as mentes menos privilegiadas (uma vez que as melhores estão nas universidades estatais).
Destarte, o círculo da exclusão fecha-se, com nossos estudantes mais inteligentes ficando perpetuamente presos às controladoras universidades públicas, cheias de diretrizes e regras imobilizadoras, enquanto a iniciativa privada, que trabalha somente com demanda, fica às moscas, sem motivação para melhorar. Em razão disso, as particulares são as preteridas na escolha dos estudantes, na contramão do resto do mundo – Harvard, Yale, Princeton e outras universidades privadas são claros exemplos disso. Assim, novas vagas não são abertas (as universidades do exterior chegam a ter até quinhentas vagas para medicina, ao contrário das nossas, que geralmente possuem cem), e o brasileiro, então, fica preso ao estatismo, sem a possibilidade de inovar e buscar diferentes ambientes, que não o das universidades públicas, se não quiser pagar um preço extorsivo por um ensino fraco numa instituição particular.
Além disso, nossa colossal carga tributária, que chega a 70% em alguns produtos e serviços, é mais um empecilho à abertura e manutenção de novos cursos de medicina privados. Não se fala aqui nem mesmo de lucro; fala-se da possibilidade de continuar funcionando sem terminar o mês no vermelho. Gradativamente, os estudantes que não nasceram geniais vão sendo excluídos da profissão, sendo que poderiam ser profissionais excelentes no futuro, caso sequer tivessem a possibilidade de freqüentar o curso.
Como se não fosse suficiente, determinados setores da sociedade e do governo culpam a própria classe médica pela caótica situação da saúde no país e pela falta de profissionais, quando são eles mesmos os grandes geradores da adversidade. A solução do governo para um problema é, geralmente, tão ruim quanto o próprio problema (vide o total fracasso operacional do Mais Médicos e a insana proposta do governo em adicionar dois anos de estágio compulsório no SUS ao curso de medicina).
Semelhantemente ao funcionalismo público, que também rouba nossos gênios para carreiras na magistratura e da receita federal, a serviço do próprio Estado – e, por definição, improdutivas econômica e cientificamente –, nossos jovens mais inventivos rendem-se ao ensino governamental, aumentando falsamente a qualidade dessas instituições, já que “quem faz a escola é o aluno”, deixando migalhas aos demais.