Durante a Alta Idade Média, do século V ao XI, na Europa Ocidental, se você não fosse um nobre, proprietário de terras ou coisa parecida, ou seja, se precisasse viver do próprio trabalho, e não do trabalho dos outros – filão que os homens descobriram na antiguidade, praticando até hoje, inclusive – você teria algumas poucas opções de vida: poderia escolher ser um homem livre, estando sujeito, longe dos reinos e dos feudos, a ataques de bárbaros, sarracenos, saqueadores ou ladrões, sendo mais um andarilho, a viajar pela Europa em condições de semi-nomadismo; ou poderia ser um servo, trabalhando em algum feudo na França ou em algum reino da Germânia. Não havia sérias opções de liberdade, e os homens dos estratos inferiores estavam abandonados ao sabor das circunstâncias, literalmente num ambiente selvagem, caso não estivessem contentes com a servidão a algum senhor. A riqueza era a terra, existindo raras moedas em espécie circulando mundo afora.
Não obstante, no final desse período, com o Renascimento Comercial e Urbano, os homens livres – judeus, árabes desmilitarizados, entre outros não necessariamente compreendidos no sistema feudal – viram, finalmente, uma luz no fim do túnel: a reabertura do Mar Mediterrâneo, o surgimento da burguesia e a circulação de capitais renovaram a Europa, dando-lhe um aspecto mais civilizado, e possibilitando que mais pessoas pudessem desfrutar, mais apropriadamente, de suas próprias capacidades – aqueles mais propensos ao comércio, comerciantes seriam; os mais propensos à navegação, marinheiros seriam; os mais propensos à agricultura, agricultores seriam; tratando-se, nesse caso, de uma questão de escolha, diferentemente do período anterior, no qual escolher a autodeterminação era quase suicídio, sob uma perspectiva pragmática, obviamente.
Por fim, o capitalismo atingiu a forma embrionária que daria origem a sua maturidade com a Revolução Industrial, no século XVIII, abandonando, de vez, o mercantilismo e todas as suas vertentes, que vigoraram durante a Idade Moderna, deixando de lado a velha idéia de que a riqueza tinha valor intrínseco. A produção industrial tomava o lugar do artesanato medieval, findando com as corporações de ofício, cujos produtos eram caros e levavam muito tempo para serem feitos, empregando muito mais mão-de-obra do que outrora, ainda mais do que na época que a civilização ocidental era ruralizada. Em conseqüência disso, o êxodo rural encheu as cidades, meios de transporte foram desenvolvidos e, evidentemente, ocorreu um aumento da produção a custos mais baixos.
Você pode perguntar para um historiador da USP, por exemplo, se isso foi bom o ruim. De imediato, ele responderá: foi péssimo! A Revolução Industrial permitiu a exploração dos trabalhadores e a concentração dos lucros nas mãos dos industriais! A desigualdade era enorme! Os problemas sociais, gigantes!
O que o historiador dessa egrégia universidade não irá considerar, junto do professor que ensina seu filho nos padrões do MEC, é que a Revolução Industrial, ou melhor, o desenvolvimento do capitalismo como um todo, somente trouxeram melhorias à vida do homem. A exploração nas fábricas, que “escravizava” criancinhas indefesas e mulheres, é outro termo errôneo: os povos voluntariamente abandonaram a área rural e migraram para as cidades, para trabalhar nas condições desumanas das fábricas. Você já parou para pensar que ninguém foi obrigado a ir para Londres trabalhar na indústria de tecidos, que nenhum ditador ou monarca baixou um decreto obrigando-as a fazer isso? Ao que tudo indica, leitor, era melhor trabalhar nas “horríveis fábricas inglesas” do que viver no campo. As pessoas, mais uma vez, tiveram a liberdade de escolher entre viver de subsistência no meio agrícola ou trabalhar nas cidades: e todo ônus disso é conseqüência dessa escolha. Os baixos salários e jornadas enormes, que a esquerda tanto demoniza ao se tratar desse período, eram um efeito natural do mercado: muita mão-de-obra desqualificada (os antigos agricultores) agora pleiteava algumas vagas nas fábricas mecanizadas. Logo, o emprego seria de quem aceitasse receber menos e laborar mais – ou você acha que, voluntariamente, o proprietário aceitaria pagar um alto preço por um semi-analfabeto facilmente substituível?
Pode soar estranho, mas a esquerda pensa isso. No entanto, isso é tão lógico quanto imaginar que alguém, voluntariamente, aceitaria um salário de miséria por um cargo altamente qualificado, coisa bem comum no socialismo, por sinal. Então, não imagine você que a posta miséria decorrente dessa revolução foi culpa da “burguesia industrial malvada”: cada período histórico tem suas próprias circunstâncias, não podendo ser objetivamente comparado a outras épocas sem um devido recorte filosófico – e, neste caso, econômico. Hoje, é mesmo esquisito – e contra os direitos humanos – que os funcionários trabalhem nas mesmas condições de antes. A diferença é que a humanidade está em outro estágio de desenvolvimento, e os recursos disponíveis são outros, não sendo necessário que os trabalhadores submetam-se a tais condições.
Também, os industriais possibilitavam ao proletariado a oportunidade de trabalho: sem o industrial, tal emprego não existiria. Entre existir um chefe que fica com os lucros oriundos de seu trabalho, mas ter um salário para colocar comida na mesa, e não existir chefe nenhum para não ter lucro, e também não ter salário nenhum, o que se deve escolher? Os indivíduos do meio rural sequer essa escolha tinham: o trabalho consistia, justamente, no fim de sua existência, não como um meio de existir; o trabalho nas corporações de ofício era custoso e lento, sendo um desperdício de força humana.
“O dinheiro é um instrumento de troca, que só pode existir quando há bens produzidos e homens capazes de produzi-los. O dinheiro é a forma material do princípio de que os homens que querem negociar uns com os outros precisam trocar um valor por outro” (Ayn Rand)
Paulatinamente, após essa Revolução muitas outras benesses surgiram: o desenvolvimento de vacinas, o saneamento, a educação, a melhoria das ciências, o domínio sobre a natureza, enfim, fenômenos que, de forma alguma, teriam ocorrido na conjuntura rural, na qual tanto a escassez quanto a fartura são a mesma coisa em termos econômicos, pela ausência de um valor atribuído aos bens e serviços, que não o de ir dormir de barriga cheia ou vazia. Comparando-se o mundo pré-capitalista e o pós-capitalista, não restam dúvidas acerca das melhorias que esse tão criticado sistema trouxe. Os próprios críticos do capitalismo não estariam hoje sentados em suas cadeiras, escrevendo em seus MacBooks, não fosse a simples existência de uma moeda, pela qual pudessem trocar seu esforço por bens que lhe interessem, ao invés de apenas alimentos.
Até a industrialização da Europa, as pessoas viviam de subsistência, trabalhando sete dias por semana, em jornadas extenuantes, se quisessem sequer ter o que comer e, ainda, tinham de dar parte dessa produção como forma de tributos ao poder estabelecido. Com o desenvolvimento do capitalismo, e a industrialização decorrente dele, os indivíduos, então, poderiam trocar a força de seu trabalho por dinheiro – em vez de só produzirem leite, carne e vegetais, agora os trabalhadores poderiam laborar e receber em moeda, permitindo que comprassem o que quisessem, desde os alimentos de antes até sapatos último modelo. Essa foi a grande conquista do capitalismo no que concerne aos outros modos de produção: ele permite que os agentes possam escolher onde investirão sua riqueza e onde a ganharão: todos são livres para escolher entre a função que acharem melhor desempenhar em sociedade. O capitalismo trouxe férias, final de semana, feriados e a remuneração em dinheiro, cuja existência é inimaginável em qualquer outro sistema em que as trocas não sejam voluntárias. O capitalismo trouxe liberdade.
Só existem, na realidade, dois sistemas econômicos: o voluntário e o não-voluntário. Coube aos homens escolher sob qual desejaria viver e, se estou aqui a escrever isto hoje, é porque nossos antepassados escolheram corretamente.