A arte não é somente uma manifestação do artista: a cultura representa o encontro entre artistas e a sociedade. Todo e qualquer povo tem e “precisa” de cultura para viver. É natural do ser humano se comunicar artisticamente e isto acontece desde os tempos mais remotos da humanidade, antes mesmo disto ser um oficio para alguns. A arte é uma maravilhosa criação da liberdade humana e enquanto houver ser humano a cultura sempre vai existir, ela é intrínseca as sociedades. Não é preciso dinheiro pra fazer arte e produzir cultura, qualquer comunidade pobre e sem muitos recursos tem a capacidade de produzir cultura da mais alta qualidade. Arte é criatividade e talvez por isso, na escassez e crises, a criação se supere. Mas os tempos são outros, hoje graças a evolução humana, a questão é que nós artistas podemos, e queremos, nos dar ao “luxo” de viver minimamente bem fazendo arte, e a boa noticia é que isto é possível, e não é nenhum governo por meio de um Ministério da Cultura que fará isto por nós. Na verdade o governo deve parar de atrapalhar e deixar a economia de mercado prosperar.
A arte é inerente a vida das pessoas, logo, existe um mercado pra isso. Não é só o artista que precisa da arte, felizmente o público também precisa e é aí que mora toda a mágica, o escambo que acontece naturalmente das relações humanas. É por meio da livre iniciativa humana – e não do estado – que evoluímos, e por isso é tão importante que este jamais atrapalhe.
Segundo a Heritage Foudation, o Brasil ocupa atualmente o 140º lugar no ranking de liberdade econômica. O que isso quer dizer? Que quanto menor a liberdade econômica de um país, maior é a pobreza e piores são as condições de vida. Pra vocês terem uma ideia, Hong Kong, Singapura, Nova Zelândia, Suíça e Austrália são os cinco primeiros, enquanto Cuba, Venezuela e Coreia do Norte são os três últimos. Cultura obviamente existe em todos eles, mas não é preciso nem comentar em quais países as pessoas – e, claro, os artistas – encontram melhores condições de vida. Então, quando me perguntam enquanto artista que sou, se penso que a existência da Lei Rouanet e do Ministério de Cultura é essencial para desenvolvimento de um país, minha resposta é não. Explico.
Eu trocaria fácil a verba de dezenas de ministérios pra focar em três pilares (segurança, educação e saúde), ainda assim de maneira bem diferente da que o Brasil está acostumado a fazer, mas isto é um outro assunto. A verdade é que o papel do Ministério da Cultura pode ser questionado sim, e questionar o Minc não é questionar a importância da cultura, mas apenas pensar se esta é realmente a melhor forma para fomentá-la, principalmente num momento de séria crise na economia, segurança, saúde e educação, e com um rombo de 170 bilhões nas contas públicas.
Me diga: você enxerga que os melhores benefícios para a cultura virão de um sistema estatal onde são comissões que avaliam e escolhem o que vai ser aprovado – ou seja, não o espectador ou o pagador de impostos, mas representantes do governo – e onde as verbas destinadas pra isso podem ser desviadas no caminho por políticos, funcionários e intermediários, e onde quem menos ganha é o artista? Fora os “projetos maracutaias” moldados pra se encaixar nas “regras” exigidas e apadrinhamentos corriqueiros, por que quando se fala de verba estatal tudo vira uma zona e a parcela que realmente se beneficia com isso é limitada e geralmente possui conexões políticas. Há muita máfia política e desperdício de dinheiro no estado, e na cultura não seria diferente, onde projetos toscos e bizarros (obviamente não todos) são aprovados com a desculpa de se fazer arte.
Em um período em que ainda acreditava no sistema, tentei por uns três anos aprovar projetos. Em todas as vezes tinha muita fé que ia passar, afinal, eu me encaixava perfeita (e naturalmente) nas categorias de análise que eles dizem querer incentivar: mulher, baterista, nordestina, com trabalho musical que valoriza a cultura brasileira e baiana, etc. Tentei projetos para gravar meu disco solo, realização de mine-turnê de workshops e formação técnica no exterior, todos que nunca tinham sido contemplados antes, mas alguém (governo) julgou que eu não era suficientemente interessante pra fomentar a cultura. Ok, não ser aprovado é a coisa mais normal do mundo, isso não é mágoa de alguém quem não soube “perder”, mas sim para ilustrar o quanto tudo isso é questionável. Depois disso, decidi que não quero depender do estado e nem que meus colegas dependam.
Quero ver gente talentosa podendo brilhar, quero ver o público ter dinheiro para consumir arte. Quero que empreendedores possam empreender (sem serem engolidos pela burocracia e exploração do estado) em todos os nichos, pois felizmente existe público para todos os gostos, seja pop, alternativo ou música eletroacústica. Quero que cada vez mais empresários abram casas de shows e bares dos mais diversos tipos e estilos possíveis, por que eles são grandes empregadores da classe musical. Quero que seja mais fácil empreender no Brasil. Quero que instituições de ensino de arte se espalhem pelo país e que as pessoas tenham dinheiro pra ingressá-las, quando o custo de vida reduzir e sobrar dinheiro no bolso delas para consumirem arte.
Coisas assim acontecem naturalmente quando o governo não interfere na economia. Quero que o cara da padaria ou a garotinha da comunidade que são meus fãs possam pagar pra fazer aula comigo. Quero ver tanto eles quanto músicos profissionais comprando equipamentos de qualidade a preço justo sem serem atochados por impostos. Quero que as marcas de instrumentos e importadoras possam investir mais em seus músicos patrocinados, que possam fazer eventos e turnê com eles, o que acontece em uma economia mais livre, pois sobra mais recursos para a empresa investir.
O artista é um viajante nato e viagem custa caro. Quero que abram o mercado de aviação ainda mais, é graças a medidas de desregulamentação que pobre vai poder andar cada vez mais de avião e artistas que não estão no mainstream vão poder disseminar sua arte pelo mundo. Quero que abram também o mercado da gasolina ou qualquer outra regulamentação que exista para locomoção. Veja a diferença que é ser artista em países ricos. O mercado é amplo, os bens são acessíveis, a acessibilidade é outra. Um artista, mesmo ganhando pouco, consegue viver bem, consegue ter acesso aos melhores equipamentos e infraestruturas, consegue fazer turnês independentes, escolas de artes existem e são valorizadas, e as possibilidades de trabalho com arte são inúmeras. E, caso as coisas não estejam indo tão bem, você pode fazer “bicos” ou ainda ter trabalhos de meio período e continuar investindo em sua arte tendo uma vida digna.
O que muda a vida do artista e fomenta a cultura não é o estado, é uma economia forte e livre. Na era do crowdfounding, acreditar que a cultura vai morrer sem um Ministério ou uma lei é loucura. O estado não produz nada, quem produz são as pessoas. Precisamos nos libertar e disseminar as ideias de independência, a dependência engessa. A revolução é tecnológica e digital, Netflix (fora Anatel!) e Uber (fora cartel dos táxis!) estão aí pra provar: não devemos permitir que o governo atrapalhe a vida das pessoas. Não precisamos do estado, precisamos mesmo é de liberdade.