Em busca de melhores condições de vida, possibilidades de emprego e principalmente comida, no ano passado 2.230 pessoas fugiram da ditadura socialista na Venezuela rumo ao estado brasileiro de Roraima e pediram refúgio oficial junto à Polícia Federal. Em 2014 foram apenas nove solicitações e em 2015 o índice foi para 230. O número estimado de migrantes, entretanto, é bem maior: o governo roraimense estima que 30.000 venezuelanos fugiram rumo ao Brasil somente em 2016.
Neste ano, o índice de solicitações deve dobrar: até março, a Polícia Federal já tinha agendado 4 mil atendimentos de pedidos de refúgio até outubro, quase 100% deles feitos por venezuelanos. Cerca de 70 venezuelanos comparecem por dia à unidade da Polícia Federal em Boa Vista para fazer o pedido.
O refúgio é uma proteção legal para estrangeiros que sofram perseguição em seu país de origem por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, ou ainda, que estejam sujeitos à grave e generalizada violação de direitos humanos.
“Eu e minha filha de 3 anos estamos aqui há quatro meses. Meu marido veio antes de nós para trabalhar como mecânico e depois nos trouxe. Já a minha mãe veio há 15 dias. Queremos morar em Roraima até que a situação melhore na Venezuela”, explica uma jovem na fila para fazer o pedido de refúgio.
A mãe dela, que era cabeleireira no país natal, diz que a falta de comida e o desemprego são os fatores que mais têm feito os venezuelanos deixarem suas casas em busca de refúgio no Brasil. “Estamos trocando de país para comer. Queremos uma vida melhor”.
Companheiro de fila, um venezuelano de 33 anos diz porque veio para Roraima. “Eu era soldador na petrolífera venezuelana há seis meses. Um dia meu salário atrasou e eu disse ao meu patrão que não dava mais para comer na Venezuela. Ele me demitiu de imediato. Lá não se pode falar mal do governo, mas a verdade é que no governo Maduro tudo acabou”, afirma. Ele também não quis ter a identidade divulgada.
Hoje, vendendo flores em um sinal de Boa Vista, ele quer se regularizar no Brasil para trazer a mulher e os dois filhos que continuam morando em Caracas. “Eu tinha casa e dois carros na Venezuela, mas quando fui demitido tive de vender um dos meus veículos para conseguir vir para o Brasil. Só voltarei para Caracas se um dia a vida lá melhorar”, finaliza.
“En Venezuela no hay comida. ¿Cómo se dice aquí en Brasil? ¿Obrigado? Obrigado, porque aquí en Brasil hay comida”, dizia um dos indígenas da etnia Warao, a segunda maior da Venezuela, em agradecimento ao prefeito Juliano Torquato (PRB), da pequena cidade de Pacaraima. Ali está vivendo um grupo de cerca de 30 indígenas, dentre eles muitas crianças, que vivem de doações e comem quando há comida. E, ainda assim, agradecem.
“Na Venezuela, com um salário você consegue comer por apenas três dias”, disse Freiomar Viana, 41. “Se você tem família, como vai fazer para comer?”. Há um ano, ele trouxe a família de Caracas para o Brasil e hoje trabalha em uma lanchonete em Boa Vista.
Fronteira entre Brasil e Venezuela
A fronteira entre Brasil e Venezuela fica no Norte de Roraima e, desde o agravamento da crise econômica venezuelana, o estado vive um boom de imigração. O tráfego entre os dois países é praticamente livre, mas, no final do ano passado, o acesso foi fechado por Maduro com a desculpa de “combater as máfias que fazem contrabando de bolívares”.
Com o bloqueio da estrada que liga os dois países, centenas de pessoas cruzaram a fronteira a pé de forma clandestina para comprar comida em Pacaraima, cidade brasileira, ou para fugir da Venezuela. A fronteira foi reaberta em 7 de janeiro deste ano.
A situação em Roraima
Além de buscarem postos formais de trabalho em Roraima, muitos imigrantes sobrevivem de trabalhos informais ou pedindo esmolas. Alguns vêm apenas em busca de tratamento médico, o que levou o estado a decretar emergência na Saúde. No Pronto Atendimento do Hospital Geral de Roraima, o atendimento a estrangeiros subiu de 320 em 2014 para 1.240 em 2016.
Boa Vista, a capital do estado, chegou a ser tomada por pessoas nas ruas no final de 2016. O município tentou realizar uma deportação em massa, mas a legislação brasileira proíbe a prática e a Defensoria Pública obteve uma liminar suspendendo a deportação. O Ministério Público estadual entrou com uma ação pedindo o abrigo das crianças que ficavam nas ruas, mas o juiz entendeu que era preciso abrigá-las junto às suas famílias. Por isso, desde o final do ano, muitos indígenas e não indígenas estão abrigados em um ginásio na periferia de Boa Vista.
O local foi batizado de centro de referência ao imigrante, mas possui instalações precárias, fossas abertas, pessoas dormindo no chão e alimentos obtidos por meio de doações. O abrigo chegou a ter 300 pessoas, mas atualmente conta com cerca de 200.