Há quase 300 dias a Espanha segue sem um governo nacional eleito, e com uma população cada vez mais satisfeita. O país é uma monarquia constitucional parlamentarista e após as eleições de 2015, o presidente Mariano Rajoy recusou o pedido do Rei Filipe VI de criar um governo com a coligação dos partidos que elegeram o maior número de membro do congresso, o Podemos (uma espécie de PSOL espanhol) e o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol). O PSOE frustrou esta aliança da esquerda radical e se associou ao partido Cidadãos (social liberal), sem estabelecer o primeiro ministro. O congresso foi dissolvido em Maio de 2016 e novas eleições convocadas em Junho, mas após nenhum partido obter cadeiras suficientes ou conseguiu criar a coalizão necessária para formação de um governo, o país de 47 milhões de habitantes segue sem líder formal, com novas eleições previstas para Dezembro.
Como é rotina dos políticos em qualquer lugar do mundo, eles planejam e tramam, mas rejeitam as difíceis concessões necessárias para formação de um governo. Para alguns eleitores entrevistados pelo The New York Times, há uma pesarosa descrença que mistura fascínio e desprezo. Os partidos espanhóis, com o habitual discurso alarmista, alertavam que a inexistência de um governo poderia levar ao caos e privação. Mas o contrário tem se manifestando, mais do que qualquer outra coisa, a crise parece ter oferecido um vislumbre de como seria a vida se os políticos simplesmente saíssem do caminho.
“Sem governo, sem ladrões”, disse Félix Pastor, um professor de línguas que, como muitos eleitores, não aguenta mais os casos de corrupção e os escândalos que mancharam os dois partidos de governo anteriores (PP – Partido Popular e PSOE). Pastor é um senhor animado de 59 anos e disse que a Espanha poderia durar sem um governo “até o inferno congelar, porque aí os políticos não teriam mais condições de causar mais mal”.
“A Espanha ficaria bem se nos livrássemos da maioria dos políticos e de três quartos dos funcionários públicos”, disse Rafael Navarro, 71 anos, em sua minúscula farmácia em Madri. “Pouco governo é melhor do que muito”, ele disse. A máquina estatal ainda funciona, com ministérios do governo funcionando, beneficiários do serviço social e funcionários públicos continuam sendo pagos. Mesmo se nenhum governo for formado quando o orçamento nacional de 2016 expirar nos próximos meses, o velho orçamento simplesmente se tornará o novo orçamento para 2017.
O governo está paralisado de outras formas, sem nenhuma nova proposta de legislação, sem debater assuntos internacionais e sem a habitual rotatividade de embaixadores da Espanha. O financiamento para muitos projetos de governo e infraestrutura está congelado. Mas os movimentos nacionalistas na Catalunha e no País Basco continuam a estimular a independência e autonomia a qual possuem direito natural.
A Espanha é uma superpotência do turismo. Espera receber 74 milhões de visitantes neste ano, 6 milhões a mais do que no ano passado, pois o medo de terrorismo em outros lugares tem aumentado o fluxo de visitantes ao país ibérico. Os cafés e museus estão lotados, assim como a taxa de ocupação dos hotéis é alta. “As pessoas estão exaustas”, reconhece Nacho Cardero, editor do site “El Confidencial”. “Elas não querem ouvir mais nada desses políticos.” E o editor desta notícia já está quase decidindo onde irá passar suas próximas férias.