É seguro falar que mais de dois bilhões de reais do dinheiro dos pagadores de impostos são injetados na “economia da cultura” todos os anos por meio de algum dos inúmeros mecanismos de incentivo fiscal ou patrocínio direto das estatais e dos governos federal, estaduais e municipais. Se considerarmos a hipótese bastante modesta de que 10% desse dinheiro sejam usados para proselitismo da esquerda, estaremos falando de 200 milhões de reais em filmes, peças de teatro, livros, exposições, financiamento de “coletivos” e outras iniciativas para grupos organizados difundirem o ódio ao capitalismo e aos valores burgueses e ocidentais – ou mais de 20 vezes o valor cortado dos chamados “blogs sujos” que recebiam do governo para proteger os petistas no poder e atacar seus adversários políticos.
Entretanto, considerar que apenas 10% daquele valor seja o teto para a publicidade da esquerda disfarçada de “arte” é ser otimista demais. Além disso, todo esse dinheiro nas mãos movimentado pela militância de esquerda encastelada entre “produtores culturais” gera uma infinidade de outros negócios desencadeadores de influência no meio artístico, o que eleva em muito a penetração do discurso desse grupo político que, sem o dinheiro dos pagadores de impostos no início da cadeia, inevitavelmente teria de se virar em outro emprego ou com doações da própria militância.
Tal conjunto de políticas de transferência de renda do bolso dos trabalhadores para o bolso dos artistas têm quase 20 anos de constância, sem que, evidentemente, tivessem levado “Mozart às favelas” ou transformado nossos museus em exemplos internacionais de excelência. Nada disso aconteceu porque o grosso das verbas está direcionado unicamente à produção, onde há terreno fértil para ganhar dinheiro e fazer propaganda marxista com seus conhecidos disfarces e variações.
O lobby da classe artística brasileira, cujo escopo ideológico limita-se há mais de meio século à influência entre o antigo CPC (Centro Popular de Cultura) e a antiga Rádio Nacional (hoje convertida no império Globo) – ou seja, entre comunismo puro e estatismo nacionalista – é tão forte e influente que consegue pautar candidatos aparentemente descolados do establishment político – como o recém-eleito prefeito tucano de São Paulo, João Dória – sem que pareça possível oferecer uma alternativa liberal ou libertária a essa tradição.
Um dos inúmeros exemplos do mal provocado pela injeção permanente de dinheiro dos pagadores de impostos num mercado onde oferta e procura são produtos da fantasia de ativistas e “gestores culturais” é o violento aumento nos preços de produtos e serviços do setor, conforme explica nessa entrevista um editor esquerdista desiludido com a cultura do país:
“Nós recorremos a leis de incentivo, mas, embora elas tenham melhorado muito, as acho prejudiciais porque viciam o mercado. A Lei Rouanet cria duas tabelas de preços, uma com e outra sem incentivo. Um designer, que pediria 3.000 reais pelo trabalho, tem a ousadia de pedir 25.000 reais com a lei de incentivo. Ela não maximiza recursos, ela os direciona para algo que já nasce em segundo plano porque um livro que já está pago não vai ter a mesma divulgação que um livro que precisa se pagar.”
Convém lembrar que tais políticas simplesmente destroem qualquer possibilidade de livre concorrência no setor, fazendo da vida do produtor independente um martírio entre iniciativas particulares (vitimadas pelos preços altos) e a crescente regulação (a qual afeta tanto quem não usa verba estatal como quem usa) que só um produtor que gira muito dinheiro dos pagadores de impostos consegue acompanhar e atender.
Não há qualquer expectativa de alteração nesse quadro em médio ou longo prazo porque os agentes com poder de transformação viram de costas para o problema, por desinteresse, preguiça ou medo de contrariar atores de telenovela ou compositores de sambas que fizeram sucesso há 40 anos. O que significa que podemos esperar não uma diminuição, mas um aumento da propaganda ideológica da esquerda nos filmes, no teatro e nos livros produzidos com dinheiro dos pagadores de impostos, contrariando a lógica, a reação popular dos brasileiros nos últimos anos e suas preferências e costumes.
A saída mais transformadora e corajosa seria o corte imediato de qualquer injeção de dinheiro dos pagadores de impostos no setor, eliminando também a regulação e qualquer interferência estatal na prática e no comércio da cultura artística, o que obrigaria imediatamente o mercado a finalmente refletir a oferta e a procura, as preferências do público e valorizar os artistas com maior capacidade de testemunhar sua época e sua gente. Não obstante, haveria muito a ser feito sem que as fontes de recursos fossem repentinamente eliminadas, estimulando a livre iniciativa e retirando o peso da burocracia das costas do setor.
Há, entretanto, três premissas traiçoeiras que impedem que muitos políticos compreendam a natureza do problema e, desta forma, respondam a ele da maneira correta.
A primeira é aquela que considera a cultura como um recém-nascido fragilizado em permanente estado vegetativo, que deixará de respirar no segundo seguinte ao final da interferência estatal. Tal premissa desconsidera que a cultura encontra forma de expressão em inumeráveis processos que não param de acontecer, e muitos desses processos continuariam resultando em obras artísticas mesmo sem a injeção de dinheiro público.
A segunda é aquela que vê a dinâmica da cultura como uma batalha entre gato e rato, onde a “brasilidade” precisa ser defendida da ação nefasta do estrangeiro personificado em James Bond, Harry Potter e Coca-Cola. É uma visão tipicamente belicista da atividade cultural, num jogo de soma zero onde cada vez que alguém toma contato com um “produto cultural importado”, uma fadinha da cultura nacional desmaia em outro lugar.
A terceira premissa finalmente é aquela que pretende convencer a opinião pública de que o investimento na indústria cultural é aquele que mais oferece retorno financeiro, justificando portanto a injeção de recursos dos pagadores de impostos. Esta premissa desconsidera um dado fundamental para a compreensão do problema: se tal indústria é assim tão “lucrativa”, já não deveria depender de subsídio para continuar existindo; se, por outro lado, continua dependendo, é sinal de que não é tão lucrativa assim.
Nada disso, entretanto, desperta os políticos brasileiros docilmente submetidos, os quais seguem remarcando viradas culturais e tentando não se indispor com grafiteiros, rolezeiros e compositores de trilha de novelas da Globo.