Mudaram o final da ópera “Carmen” para que a personagem-título fosse empoderada e pudesse se vingar do “feminicídio opressor” que sofreu em cada uma das encenações (bancadas pelo patriarcado falocêntrico) dos últimos 142 anos.
Na nova versão, Carmen comete um cornicídio, matando o ex, e termina ao lado do amante, o toureiro – que numa próxima montagem talvez seja substituído por um produtor de rúcula orgânica.
“Em um momento em que nossa sociedade está tendo que confrontar o assassinato de mulheres como podemos ousar aplaudir o assassinato de uma mulher?” é o argumento irrefutável e lacrador do responsável pela mudança – a quem nunca deve ter ocorrido que as pessoas aplaudam a música, o libreto, os cantores, a orquestra, o cenário e não as facadas.
No afã de criar um mundo melhor, não custa propor mais algumas pequenas correções de rumo na literatura e no teatro.
Sítio do Pica-Pau Amarelo
“Sítio” remete à propriedade privada, “pica-pau” estimula subliminarmente o desmatamento e “amarelo” induz ao preconceito contra os asiáticos.
Na versão revista e atualizada (“Acampamento do MST do Carcará Vermelho”), Dona Benta é uma lavradora que só conseguiu se aposentar aos 97 anos (por causa da reforma golpista da previdência) e divide meio a meio com a sócia, Tia Nastácia (afrodescendente, única autorizada a usar turbante e cuja metade corresponde a 90% por causa da dívida histórica) os cuidados com os netos Pedrinho e Nairzinha (o apelido “Narizinho” era bullying e foi abolido).
Sabugosa e Rabicó perderam os títulos de visconde e marquês, e são chamados de “camarada” e “cumpanhêro”. Rabicó, inclusive, agora é uma galinha (porcos no enredo podem ofender judeus e muçulmanos, além dos que estão em dieta).
Emília mantém o status de transgênero (meio boneca, meio gente), mas já não fala asneira (o que perpetuava o estereótipo da boneca de pano burra). E é Pedrinho quem brinca com ela.
Dom Casmurro
Capitu se liberta dos grilhões machistas logo no primeiro mimimi do ciumento Bentinho – pede o divórcio, fica com a casa de Matacavalos e para de raspar o sovaco. Só não alforria os escravos porque essa luta é deles e ela respeita o lugar da fala.
Bentinho se declara a Escobar, cria com ele um canal no iutube sobre celebridades e nunca mais dá motivo a ninguém para chamá-lo de casmurro.
O livro de Gênesis
Deus informa à esposa de Noé que quer formatar a Humanidade e, como é muito justo, aproveitar para, de quebra, afogar tudo quanto é bicho.
Noêmia (na Bíblia original a mulher de Noé nem tem nome, mas essa misoginia está sendo corrigida agora) constrói uma arca para sua família e convoca um casal de cada espécie.
Lacradora que é, só aceita casais homoafetivos. Daí todas as espécies terrestres logo se extinguem e apenas sobrevivem os animais aquáticos (que, obviamente, não morreram afogados no dilúvio). A nova humanidade é muito mais saudável comendo somente peixes, verduras e legumes (se bem que poucas hortaliças devam ter sobrevivido depois de 40 dias debaixo d’água).
A Odisseia
Ulisses volta para casa e, antes mesmo de cruzar a praça da matriz de Ítaca, é preso pelo não pagamento de pensão e por abandono de incapaz (Telêmaco ainda era bebê quando o pai deixou Penélope por causa de uma tal de Helena).
Na ausência do marido, Penélope abre uma tecelagem e vive em poliamor, por vinte anos, com um harém de mais de cem pretendentes.
Dama das Camélias
Marguerite toma antibiótico, não morre de tuberculose e a história acaba antes de começar.
Otelo
Otelo é louro, não mouro – logo, ninguém tem nada contra ele.
Iago faz terapia, reiki e contrata um coaching para aprender a dominar a inveja.
Desdêmona conhece Cássio no Tinder, mas os dois são super discretos (ela diz que vai pra aula de cerâmica; ele avisa que vai chegar mais tarde porque o trânsito tá todo parado no Rebouças).
São felizes para sempre.